
Meu nome é Laura e vim te parabenizar pelo seu blog, que é simplesmente maravilhoso! Lindo! Agora vem a parte difícil: eu queria muito a sua ajuda para um probleminha... Tenho treze anos e me acho feia e magricela, sabe? Nunca contei a ninguém porque tenho certeza que vão falar “Nossa, você é magrinha, meiguinha e ainda reclama. Tem um monte de gordinha que dava tudo para ser como você!”. Mas isso não ia me fazer sentir mais especial, sabe? Vimemos em um mundo em que a busca pela perfeição é uma rotina e já estou cansando disso. Me sinto feia e fora dos padrão... Não tenho olhos azuis ou verdes, não são tão alta digna de uma modelo e apenas estou perdida... Por favor, responda.
Minha resposta: Laura querida, queria muito poder te ajudar. Queria mesmo que uma resposta minha te resguardasse de todo o condicionamento da sociedade sobre o que é ser linda. Mas isso não é possível. Acho que já narrei uma conversa que tive com uma amiga, também feminista, doutora, e crítica da mídia: ela estava perguntando como que a gente, que está a par de toda a manipulação, que estudou e continua estudando tanto, não está a salvo de se deixar abater por um padrão de beleza que insistem em nos impor? É muito, muito difícil se autoaceitar. Somos ensinadas a odiar nossos corpos. Recebemos dezenas de lições todos os dias, vindas de todos os lados, de como nossos corpos são inadequados e vergonhosos, e de como problemas que a gente nem sabia que tinha precisam ser resolvidos com a máxima urgência (por exemplo: clareamento anal).
A pergunta talvez seja por que nos cobram essa busca eterna pela perfeição. Bom, a pergunta está muito inocente, muito sem sujeitos. Quem nos cobra? A mídia, nossos pais, nossos amigos, quem nos educa, todo mundo. E quem é cobrada? Certamente mulheres são cobradas pela beleza física muito mais do que homens. E quando digo “são cobradas” não excluo, de jeito nenhum, que nós mulheres fazemos enormes cobranças a nós mesmas. Aprendemos a ser implacáveis umas com as outras. Aprendemos que temos que estar sempre competindo, que o prêmio é a aceitação dos homens, e que nossas armas são a aparência física. Parece que é só isso que importa, né? Só nossa aparência, como se não tivéssemos ideias e conquistas que não dependem em nada da aparência.
A outra vertente -– que não necessariamente contraria a primeira –- é que fazer com que as mulheres se preocupem unicamente com sua aparência nos distrai de pensar em coisas mais importantes, como, sei lá, mudar o mundo e ser igual a um outro gênero aí. Trata-se de uma forma de opressão extremamente eficiente. Pense em quantas meninas sabem que serão julgadas por sua aparência e, por esse motivo, evitam falar em público. Tem mulher que não vai à praia por ter vergonha do seu corpo. Se a gente pensar bem, verá que a exigência pela perfeição começou a vir com tudo num momento em que as mulheres estavam cada vez mais fortes. Foi no final dos anos 60 que o padrão de beleza ficou mais magro (e, portanto, mais impossível de se atingir). Um dado que eu considero interessantíssimo é que a celulite foi inventada nos anos 70. Não que ela não existisse antes, óbvio, é só que não era algo visto como preocupante. Não era um problema, e, portanto, não havia nome pra esse “mal” que acomete tantas mulheres. E quem é mais fácil de dominar? Alguém autoconfiante, que se gosta, ou alguém que se odeia? Imagine como deve ser acordar todo dia, se olhar no espelho, e gostar do que vê, em vez de ficar procurando mil e um defeitos? Imagine o poder que essa atitude nos dá.
Uma pergunta que você deve fazer a si mesma é: por que você quer ser linda? Por que estar fora do padrão (não ser tão alta ou ter olhos claros) te aflige? A propaganda vendida pra gente é que pessoas lindas não têm problemas, que a vida delas é perfeita. Mas ninguém acredita nisso de verdade. A contrapartida é que mulheres feias (e temos nomes pra elas que não temos pra homens: baranga, mocreia, dragão, etc) não seduzem ninguém e morrem sós. A gente também sabe que isso é mentira. Afinal, a enorme maioria das mulheres no Brasil está fora do padrão de uma Gisele ou Ana Hickman, e mesmo assim continuamos transando, namorando, casando, enfim, tendo relacionamentos afetivos e sexuais. 