Aproveitando meu estudo em Linguística Sistêmica Funcional, li num texto introdutório da Suzanne Eggins algo bem interessante. Quer dizer, Análise do Discurso é muito legal. O que não é legal, pra mim, é o monte de termos técnicos que Halliday e sua turma criaram pra poder analisar o discurso. Mas então, a situação que Eggins coloca é a seguinte: imagina
que você é mãe e está falando com uma amiga e quer emitir a seguinte frase: “Você não vai acreditar o que [minha criança] fez hoje!”. Você tem que tomar uma decisão a cada palavra que usa. Pouca gente usaria esse termo, minha criança, nesse contexto, certo? É impessoal, formal demais. O que seria usado? Uma possibilidade seria o nome da criança, desde que sua interlocutora soubesse quem é. Faria diferença se você dissesse João ou Joãozinho (mais íntimo), ou Maria ou Mariazinha. Talvez meu filho ou minha filha, que, como o nome, entregaria o sexo da criança. Há outros termos também, com ainda mais atitude. Você poderia usar o/a pestinha, o capeta, ou meu docinho de coco, meu bebê. As duas primeiras opções são agressi
vas, ainda que não muito seriamente, e as outras duas são elogiosas, embora, nesse contexto, possam ser irônicas. O que Eggins afirma é que no inglês existem vários termos pra se referir a uma criança: de brat (negativo) a darling (positivo). E me falta o conhecimento, certamente por não ter filhos, dos termos em português. Mas as próprias palavras já emitem juízo de valor. Agora, o que Eggins destaca é que, em inglês, existe apenas parents pra falar dos pais. Em português também, não? Você vai falar meus
pais, uma palavra que não carrega consigo todo um julgamento, ao contrário de pentelho. Claro, existe meus velhos (mais comum meu velho, referindo-se ao pai), mas é duro imaginar uma criança referindo-se aos pais por meus velhos. Isso é pra adulto se referir aos pais, e não é ofensivo. A questão é: por que existem termos que emitem valor quando é para adultos se referirem a crianças, mas não há termos que emitem valor quando é para crianças se referirem a adultos? Ué, porque adultos têm poder nesta sociedade, crianças não. Logo, elas não precisam ter um arsenal de termos pejorativos pra usarem contra adultos. E adivinha quem cria a língua, crianças ou adultos?
tam o gênero masculino. Você considera uma mulher muito inteligente e gostaria de conferir a ela o mesmo status do Einstein? Sorry, não dá: gênio é só pra homem. A gente até fala “Ela é uma gênia”, mas sempre com um sorrisinho irônico no rosto, sabendo que tá inventando uma palavra. Se você quiser idolatrar uma mulher, também vai esbarrar na língua. Minha ídola é só de brincadeira. O estranhamento que causa falar gênia ou ídola já é suficiente pra mostrar, pra pessoa que fala e pra que escuta, que mulher não tem nada que ser elogiada pela sua inteligência.
ulina. Mas, pra mulheres, há montes. Isso porque vivemos numa sociedade em que a mulher é avaliada pela sua aparência, e, na maior parte das vezes, apenas por isso. Mocreia e baranga são termos carregados de significados. Não são elogios de forma alguma. E não é coincidência que mocreio não exista. O que um termo como mocreia passa? Depende do contexto. Se for dito diretamente pra uma mulher, pode bem ser o pior insulto que ela
vai receber, já que fomos ensinadas que a aparência é o que vale, acima de tudo. Se um cara diz pro amigo “Você está namorando aquela mocreia?”, ele provavelmente está menos interessado numa informação do que em passar seu julgamento pro amigo: “Olha, ela é feia. Pega mal pra você ficar com ela”. E quando alguém o usa pra julgar uma mulher, sendo que sua aparência não está em questão? É comum que essa ofensa acompanhe a Dilma, embora a ministra seja pré-candidata a presidente, não a miss. Pelo jeito, não existe contexto em que a aparência da mulher não seja colocada em primeiro lugar. Pode ser uma cirurgiã, uma engenheira, uma empregada doméstica, o que for. Se fossem homens (e aí tenho que remover o exemplo d
a empregada doméstica, já que quantos empregados domésticos você conhece?), a aparência não seria levada em conta.
a trabalho sexual. E não tem a menor chance de ser um adjetivo meigo. 
a é paca, mulher é tudo vaca!”.