Eu tô sem tempo pra nada porque preciso entregar um curso inteiro até final de janeiro. Mas não resisti e vi a posse histórica da Dilma Roussef. Logo eu, que sou do tipo
que odeia tradições, cerimoniais e rituais. Pois é, eu detesto, mas sempre me comovo. E lógico que desta vez não foi diferente.
a Globo, e concordo com o que alguém (desculpe, não anotei, era um retweet) disse no Twitter: que ver a Globo transmitindo a posse da Dilma era como ouvir Galvão Bueno narrando gol argentino contra o Brasil. A falta de entusiasmo era total. Mas o que mais me chamou a atenção é que a Globo tinha dois jornalistas homens comentando, enquanto a Record destacou duas jornalistas mulheres.
É, gente, vai se acostumando. Termos uma primeira presidenta não vai fazer nem de longe que o machismo acabe de um dia pro outro no Brasil, ou que mais mulheres sejam promovidas para postos de
chefia, ou que automaticamente aumente o número de juízas e parlamentares mulheres. O que vai fazer é abrir os olhos para a falta de representatividade feminina e para a linguagem. Não é à toa que Dilma, em seus dois discursos de posse (um no Congresso, outro pro povo), falou em “queridas brasileiras e queridos brasileiros”, alternando a ordem, ou que em nenhum momento se referiu ao genérico “homem” quando queria dizer pessoa ou ser humano. A linguagem é machista porque reflete o que somos, e já faz uns onze anos que a
Unesco lançou apostilas em várias línguas para incluir as mulheres na língua, mas a gente precisa de uma presidenta pra talvez se dar conta disso (aguardem o choro dos privilegiados dizendo “bu bu bu, que besteira essa onda politicamente correta, eu me sinto representado quando falam em 'origem do homem'"). Quanto à falta de mulheres em praticamente todas as esferas de poder da nossa sociedade, Dilma fez um grande esforço para escolher o mini
stério mais feminino da história do Brasil, e ainda assim apenas nove dos 37 ministros são mulheres. Mas as pessoas vão passar a reparar mais nisso. Quando virem um bando de homens engravatados entrevistando presidente, muita gente vai chiar e perguntar: “Opa, cadê as blogueiras?”. Quando virem um comitê executivo composto apenas por homens, vão sentir a falta de mulheres. Espero que a ausência de pessoas negras (de ambos os gêneros) também salte aos olhos.
Ou não. Será que estou sendo otimista demais por pensar que ter uma presidenta mude a cabeça das pessoas? Porque eu desliguei a TV quando a Record interrompeu a posse dos ministros (e ministras; só mesmo na posse de uma ministra teríamos uma menininha correndo solta entre os poder
osos engravatados, rompendo totalmente o protocolo) pra entrevistar o José Alencar por telefone (a Globo já havia cortado a transmissão faz tempo; afinal, novela é mais importante pra nação). E aí vim pra cá escrever este post e, antes, dar uma passada rápida no Twitter. E então eu vejo que tá nos Trending Topics a Marcela Temer, que até hoje eu nem sabia quem era, mas que é a primeira dama do vice Michel. What the duck, pessoal? No dia da posse da nossa primeira presidenta, quem rouba a
cena é uma mulher jovem e bonita? Pô, isso é um tapa na cara das mulheres. É lembrar a gente que dane-se que uma mulher terá poder, que o importante mesmo é uma mulher ser jovem e bonita (nada dá mais poder que isso, dizem os machistas que juram que as mulheres têm todo o poder do mundo, já que podem virar a cabeça dos homens). Também tava nos TT a Marisa, ex-primeira dama (que me fez chorar por chorar na posse), e uma tonelada de insinuações do tipo “Quem será a primeira dama da Dilma?”, fazendo alusões a sua orientação sexual (afinal, poder não é uma característica feminina. Se uma mulher for poderosa, ela torna-se masculina. E homem que é homem gosta de mulher, sacam? É um argumento um tanto tortuoso, eu sei).
Olha só, gente, não é difícil. Acompanhem meu raciocínio. O próprio termo “primeira dama” é um termo machista, porque não existe o equivalente masculino. Não tem primeiro damo, certo? E por que não? Porque, até pouco tempo, todos os governantes eram homens. E héteros, e ca
sados, porque pegava mal um político não ser um “homem de família” (Dilma não seria eleita trinta anos atrás por ser divorciada! Naquela época havia minissérie sobre mulher separada, tipo Malu Mulher, porque era visto como grande ousadia uma mulher viver sem um homem). Logo, quase todo político tinha uma primeira dama. Dessa forma, o brasileiro (e outras nacionalidades) caiu no hábito ridículo de discorrer sobre a vida de todas as p
rimeiras damas. Ahn, primeira dama não é um cargo eletivo. A Carla Bruni não é poderosa. O Sarkozy é. O Sarkozy os franceses podem tirar do cargo, a Carla não. Portanto, não deveria ter importância nenhuma nas nossas vidas se a primeira dama do vice é bonita ou 50 anos mais jovem que o cara (pô, se eu vou fingir que Michel Temer não existe pelos próximos quatro anos, então não preciso saber da vida da mulher dele, preciso?). Falar de primeira dama é meio como falar de reis, rainhas, príncipes e princesas: é um cargo simbólico, uma inutilidade, uma coisa do passado.
Mas voltando ao que importa: o discurso de Dilma pro congresso foi ótimo (aqui na íntegra). Eu chorei em várias partes, principalmente quando ela engasgou, no momento em que disse que será presidenta de todos os brasileiros. Já Lula passando a faixa foi meio anticlimático. Todo mundo esperav
a que ele desabasse, e nada, quem chorou foi Marisa. Ainda bem que desistiram de tocar o tema da vitória (aquele do Ayrton Senna) quando Lula desceu a rampa. Não só aquilo tá ligado ao Senna, como a uma emissora de TV que no ano passado queria por no ar uma comemoração de 45 anos com o mesmo número, logotipo e tema da campanha adversária. E que, tipo, foi talvez a maior responsável pela derrota do Lula frente ao Collor em 89. Lula com jingle da Globo não combina.
efe de Estado de algum país? Eu adorei ver a Dilma, toda simpática e descontraída, falando com um a um dos chefes, principalmente com o Chávez e com a Hillary, mas seria legal saber quem era quem. Como quando mostraram os ministros.
ompanhava a posse do Lula, ao vivo. As TVs transmitiam toda a cerimônia. Parecia que era o presidente deles que estava assumindo. A gente tinha adesivo do Lula no carro, e um monte de uruguaio nos aplaudia e buzinava pra gente, só por isso. No dia seguinte, um dos jornais de lá trazia a manchete em espanhol: “Assumiu o torneiro mecânico da esperança latino-americana”. Isso foi exatamente oito anos atrás. Naquela época, assim como o Brasil, o Uruguai nunca tinha tido um presidente de esquerda. No final de 2004 elegeu o primeiro, Tabaré Vázquez. Talvez isso não tivesse acontecido se não fosse a influência brasileira.
Hoje, no dia primeiro de janeiro de 2011, um dos chefes de Estado a apertar a mão da nossa primeira presidenta foi José Mujica, segundo presidente de esquerda do Uruguai, sucessor de Tabaré. Mujica, ex-guerrilheiro, saudou Dilma, também ex-guerrilheira, segunda presidente de esquerda, sucessora de Lula. Acho que isso diz muito sobre nosso amado continente, sobre as mudanças que tivemos e as muitas que ainda vamos ter. E tem gente interessada em primeira dama...