Como eu não fui muito bullied na infância (em compensação, estou pagando todos os meus pecados agora, com juros e correção monetária) e como não tenho filha (nem
filho), nunca parei pra pensar nisso que aborda um post americano recomendado por uma leitora. Seguinte: parece que é muito comum meninas serem empurradas, derrubadas, chutadas, estapeadas, e terem seu cabelo puxado por meninos. Claro, imagino que por outras meninas também, mas não é esse o foco do post. Parece que é mais comum ainda o adulto que ouve essa reclamação vinda de uma menina justificar com um "Ah, isso quer dizer que ele gosta de você". E aí, aqui no Brasil é
assim que esse comportamento é explicado? Porque, se for, realmente não soa como uma explicação convincente. O que a autora defende é que quer que sua filha aprenda que meninos que gostam dela vão tratá-la bem, não de uma forma agressiva. E ela tem toda a razão. O coleguinha insuportável que colocou chiclete no meu cabelo quando eu tinha sete ou oito anos -- eu tive que cortar uma parte da minha cabeleira pra conseguir tirar a nojeira -- certamente não gostava de mim, isso eu tenho certeza.
P.S.: Hoje acordei com esta notícia aterradora: durante o carnaval em Nova Iguaçu, RJ, uma moça ouviu uma grosseria na rua, que os jornais e o senso comum chamam de "cantada". Segundo o Extra, ela o empurrou (o que denota que a "cantada" provavelmente não ficou só no campo verbal). O rapaz deve ter falado mais grosserias, ou tocado nela, e ela o estapeou. Ele tirou um revólver e lhe deu um tiro na testa. Ela morreu na hora, ele fugiu.
o horrível, e que mais uma vez prova que grosserias na rua estão relacionadas a poder, a dominação, ao sentimento de "entitlement" (merecimento), ao velho "olha quem manda aqui", e não a paqueras e muito menos a tentativa de romance. Sempre que falo contra grosserias na rua, vem algum energúmeno dizer que se não reagimos, a culpa é nossa, e que nenhum homem é violento após receber uma cortada. E a gente vive contando casos de como, em questão de segundos, a "cantada" se transforma em ameaça, agressão física, ou o habitual disfarce da indiferença ("Você é gorda e eu nem queria nada com você mesmo, sua p*ta"). Mas tem homem que não acredita, pelo único motivo que isso nunca aconteceu com ele, e ele costuma empatizar com o agressor, não com a vítima.
a leitora Marina, a Globo.com levou o dia inteiro para mudar a chamada: de "Paquerada na rua reage e é morta com tiro" a "Assédio acaba em execução em baile de carnaval". Ou seja, não é muito diferente do caso do playboyzinho que quebrou o braço de uma moça porque ela o rejeitou numa balada em Natal. A diferença está mais na arma usada, mas a intenção é a mesma: punir a mulher que ousou rejeitar o homem "merecedor". Já a narração da mídia continua a mesma: nenhuma contextualização, nenhuma comparação com outros casos. A Globo ainda fala que o rapaz "exagerou na dose durante a investida". Exagerou, né? Na investida e na sua reação. Se ele "só" tivesse quebrado o braço da garota que o empurrou, talvez nem viraria notícia.