Recentemente vi o clássico cult Pink Flamingos, do John Waters, de 1972, pela primeira e última vez na vida. Você não tem noção do quanto odiei o filme. Detesto cult metido a engraçadinho feito unicamente pra chocar. Muita coisa desagradável acontece no filme: uma mulher com problemas mentais, que só pensa em ovos, é guardada num berço; uma mãe faz sexo oral (totalmente explícito) em seu filho; uma moça vomita em cima de um cara que se masturba; esse cara insemina com uma seringa uma mulher inconsciente, que foi sequestrada e será mantida em cativeiro até parir e morrer; outro sujeito exibe seu ânus numa festa; e na parte mais notória, o travesti Divine come cocô de um poodle. Deve haver outras cenas absolutamente nojentas que minha mente não registrou. Fora Pink ser dedicado às assassinas da família Manson e, lá pelas tantas, exibir as palavras "Libertem Tex Watson", condenado à prisão perpétua pela morte de umas oito pessoas, incluindo a mulher do Polanski. Quem encara Charles Manson e seus seguidores como símbolos da contracultura não tem o meu respeito.
É revoltante pra mim, que sou mulher e feminista, ver um gay assumido como o John Waters fazendo um filmeco que trata tão mal as mulheres. Se até as minorias mostram seu ódio às mulheres dessa forma, fica difícil cobrar um tratamento menos agressivo do cinemão mainstream. Pra se ter uma idéia, em Flamingos um homem gosta de chocar mulheres exibindo seu pênis amarrado com alguma coisa comestível, tipo linguiça. Todas as moças fogem apavoradas, e o cara rouba suas bolsas. Pro Waters, uma mulher não serve pra combater esse pervertido – é preciso um pênis pra isso! Só quando o carinha chega perto de um travesti, e este lhe mostra seu próprio
pênis, é que ele se emenda.
Mas o filme acabou pra mim bem antes disso, já no primeiro terço. No que a meu ver é a sequência mais horrível, um homem estupra uma mulher usando... galinhas! Galinhas vivas! Abomino esses filmes baratinhos porque sei que eles não vão se incomodar gastando dinheiro pra fazer uma galinha de plástico. Não, vão matar uma galinha de verdade, na maior! (Von Trier se meteu numa polêmica parecida; veja o último parágrafo da minha crônica sobre Manderlay). Ok, logicamente é hediondo que uma mulher seja estuprada, mas a atriz está lá por livre e espontânea vontade. Alguém a convidou pra interpretar aquele papel abjeto e ela aceitou. Mas e as pobres galinhas? No comentário do DVD, Waters diz que os ativistas pró-animais não o perdoam pela cena, o que pra ele é ridículo, já que ele “salvou” a galinha de um abatedouro, e ela foi comida pela equipe depois da filmagem. Waters acha-se hilário dizendo que a galinha transou antes de morrer, tendo um fim muito mais prazeroso que o de suas colegas, e chamando aquela cena de “snuff” (filmes pornôs que realmente matam a atriz/vítima, geralmente durante o sexo).
Eu como animais, é verdade. E sinto-me muito, muito culpada, o que não resolve a situação. Mas há limites para a crueldade que podemos cometer contra os bichos. T
estar cremes de beleza em ratos e macacos, usar animais pros crash tests de carros (o que as companhias automobilísticas fizeram até meados da década de 80!), ou torturar uma galinha pra entretenimento - pra mim é inaceitável. Até seria perdoável, se a pessoa mostrasse o menor sinal de arrependimento. Não é o caso. Parabéns, John Waters, conseguiu me chocar. Agora morra.