Dois alemães solitários
bonito, comovente em algumas partes. Gostei bastante. Mas, por algum motivo que não consigo explicar, não é um filme que marca. Pelo menos não pra mim. É sobre amor à literatura, à escrita, à leitura. Sobre arrependimento. Sobre responsabilidade e vergonha. É sobre o holocausto também, mas um pouco menos. Não é seu tema central. Bom, são quase uns três filmes em um: na primeira parte, que se passa na Alemanha em 1958, uma mulher de 36 anos, Hanna (a sempre esplêndida Kate Winslet), tem um caso com um menino de 15, Michael (David Kross). Na segunda, oito anos mais tarde, Michael, agora um al
uno de Direito, assiste a um julgamento onde reencontra Hanna, que está sendo acusada por ter sido guarda num campo de concentração. Na terceira, um Michael já adulto (Ralph Fiennes) mantém um relacionamento à distância com Hanna. Mais não posso contar pra não estragar nenhuma surpresa. Mas pra mim a virada do filme é inesperada. A gente até suspeita, só que não leva adiante essa suspe
ita.
depois de Hanna. Quando, no final, ele decide finalmente contar sobre seu passado a alguém, sua postura é quase a de quem narra um abuso. E, ao confessar que Hanna causou estragos piores na vida de outras pessoas que na dele, ele está admitindo o estrago na sua vida.
que, se um homem de 36 transa com uma menina de 15, é abuso, e que se uma mulher de 36 transa com um menino de 15, é a realização de um sonho pro garoto, o paraíso, a maturidade sexual, uma experiência fabulosa (porque o negócio é sempre avaliado pela ótica do homem). Deve haver histórias não-traumáticas de adolescentes se envolvendo com pessoas bem mais velhas. Depende de cada um, há casos e casos - mas não, não defendo que pessoas de 36 vão pra cama com meninos ou meninas de 15 em nenhuma hipótese. Tem
gente demais no mundo pras pessoas de 36 namorarem sem precisar recorrer a adolescentes. Ao mesmo tempo, não se pode fingir que não existe um contexto, e que esses dois amantes de idades e personalidades tão díspares não façam parte de um mundo em que homens mandam e mulheres obedecem. Isso de O Último Tango em Paris (e, em certa instância, de O Porteiro da Noite) de doi
s amantes pensarem que estão se isolando - não, não me diga seu nome, só passa a manteiga - é muito bonito, mas cedo ou tarde a realidade entra pela janela.
ação é uma coisa bastante universal. Hanna tem mais vergonha por causa disso (não posso dizer o que é, você terá que ver o filme), que pela sua participação como guarda nazista. Mas adorei a reação dela à leitura de O Amante de Lady Chatterley. Ela diz para Michael sobre o livro de D. W. Lawrence: “Isso é errado, é sujo” (que era a reação de muita gente na época - o livro foi banido - e, claro, de muita gente em relação ao próprio Leitor, que alguns consideram pornográfico e pedófilo), e em
seguida pede para que ele continue lendo. É irônico como pedófilos tantas vezes são conservadores (Humbert em Lolita, por exemplo).
egundo ela, nem universidade: “Não se aprende nada num campo”. Mas mesmo a parte moral do filme transcende a Segunda Guerra. Parece que oito mil pessoas trabalharam nos campos de concentração. Se já é difícil pra população alemã dizer que não sabia o que se passava lá dentro, pros alemães que trabalhavam lá, então, é meio impossível. Mas eles estavam cumprindo ordens. Devem ser punidos? É como numa guerra, qualquer uma, em que soldados cometem todo tipo de barbaridades. Mais tarde, todos eles devem ser presos ou apenas seus generais? Por que não abolir logo as guerras e o exército?
o Stephen Daldry, e o terceiro em que ele é indicado ao Oscar (os outros foram os muito bons Billy Elliot e As Horas). Mas é também um pouco de uruca que dois de seus produtores, Sydney Pollack e Anthony Minghella, tenham morrido, né? O drama era pra ter sido estrelado pela Nicole Kidman, que engravidou e teve de desistir, e a personagem caiu como uma luva nas mãos da Kate. Não dá nem pra imaginar outra atriz no papel. Pra começar, uma esrela mais “hollywoodiana” difi
cilmente permitiria as cenas de nudez e sexo. E vamos ser honestos: se não fosse a Kate, O Leitor teria sido indicado a oito Oscars? Isso posto, pra mim é um escândalo que a Kate tenha levado o Globo de Ouro por atriz coadjuvante (pô, coadjuvante é o Ralph Fiennes, que não está grande coisa!). Ainda bem que o Oscar corrigiu essa injustiça. Só que tenho que ser franca: não sei como é a Hanna no livro de Bernhard Schlink, que inspirou o filme. Mas é provável que ela não seja uma mulher tão bonita quanto a Kate. Ok, claro, existem pessoas belas que não têm amigos, vivem sós, não têm família nem nada, assim como existem pessoa
s belas que se acham horríveis. Mas já é o segundo filme em que a personagem da Kate não é pra ser fisicamente bonita (o outro é Pecados Íntimos). E sou só eu que olho pra Kate e acho complicado não pensar na palavra linda? Por mim, eu indicaria a Kate por Foi Apenas um Sonho. Mas aí teriam que indicar o Leo também.
elhecida” está com pouco mais que peruca branca e umas ruguinhas. Numa das cenas, dá pra ver que o Ralph é mais velho que ela na vida real (e o Ralph parece mais jovem em 1995 que em 77). Sorry, gente: depois que encheram a Cate Blanchett de látex pra fazer uma velhinha, vão ter que envelhecer todas as atrizes desse jeito. Se bem que eu sou mais a Kate que a Cate em qualquer dia da semana.