Papel da educação - SAMUEL PESSÔA
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Papel da educação - SAMUEL PESSÔA


FOLHA DE SP - 09/06

Experiências históricas mostram a importância da educação no processo de desenvolvimento dos países


Meu colega Marcelo Miterhof, que ocupa este espaço às quintas-feiras, abordou o importante tema da relação entre crescimento e educação.

Marcelo tem uma visão de que a "educação é mais resultado do que requisito ao crescimento". Se a educação fosse tão importante assim, a Rússia seria "altamente desenvolvida, pois o comunismo fez um dos mais impressionantes esforços de educação e ciência vistos".

Minha impressão é que os fatos não se ajustam bem à leitura de Marcelo. As experiências históricas em geral apontam que as sociedades que se desenvolveram apresentavam no início do processo de desenvolvimento excesso de educação.

Um exemplo claríssimo é o caso americano. O grau de analfabetismo na Nova Inglaterra em meados do século 18 era de 10%! Na Virgínia, 30%. O Brasil somente atingiu esses níveis de analfabetismo na segunda metade do século 20.

Outro exemplo de defasagem ocorreu no desenvolvimento japonês. A taxa de matrícula no ensino fundamental do Japão na virada do século 19 para o século 20 era de 90%. O Brasil atingiu níveis equivalentes na década de 90 do século 20.

Mas sempre fica a dúvida. E a Argentina ou Rússia, países que fizeram grande esforço em universalizar o ensino fundamental há muito tempo? Por que não são desenvolvidos? De fato, educação não é tudo. Diria que é quase tudo. Para termos uma ideia, tomemos os exemplos de Argentina e Rússia.

Segundo a base de dados do departamento de economia da Universidade da Pensilvânia conhecida com Penn World Table (PWT), o produto anual do trabalhador brasileiro em 2010 foi de US$ 15,4 mil a preços de 2005. Para a Argentina e a Rússia, a PWT reporta, respectivamente, US$ 24,8 mil e 27,3 mil.

Esses valores de produtividade foram calculados corrigindo para diferenças sistemáticas de custo de vida que há entre as economias, de sorte que os números representam o mesmo poder de compra nos diversos países.

Exercício de decomposição simples sugere que, se o Brasil tivesse o mesmo nível de educação da Argentina, nossa produtividade seria 19% maior, US$ 18,4 mil. Se o Brasil tivesse o nível de educação da Rússia, nosso número seria 43% maior: US$ 22 mil.

Esses números não pequenos pois o exercício considera que o canal entre educação e crescimento é a elevação direta da produtividade do trabalho e seu impacto sobre a acumulação de capital. Há inúmeros outros efeitos --sobre a criminalidade etc.-- que não foram considerados.

Finalmente um exercício revelador da importância da educação como pré-requisito para garantir ciclos longos de crescimento é verificar o impacto que uma medida de "excesso" educacional em 1960 teve sobre o desempenho das economias nos cinquenta anos subsequentes.

A medida de "excesso" educacional em 1960 será obtida a partir da relação em 1960 que observamos entre nível de produtividade do trabalho e escolaridade da população.

Há forte correlação positiva entre essas duas variáveis em um ponto no tempo. A dificuldade é que a educação pode ser causa da renda elevada ou ser consequência da renda elevada. Construirei uma medida de excesso educacional em 1960 a partir dessa relação observada para 104 países. Há países como a Coreia que apresentavam em 1960 desvio positivo ou excesso de educação, isto é, muita educação para pouca renda. Outros, como o caso brasileiro, apresentavam em 1960 desvio negativo, pouca educação para muita renda.

O resultado é que o excesso de educação em 1960 "explica" boa parcela do crescimento das 104 economias nos cinquenta anos subsequentes. A relação estatística entre crescimento médio de 1960 a 2010 com o excesso (ou carência) de educação em 1960 sugere que, se o Brasil tivesse em 1960 o mesmo excesso educacional da Coreia, nossa renda per capita seria hoje 61% maior.

Para termos uma ideia da importância da educação, se ao longo dos 60 anos o Brasil tivesse a mesma taxa de investimento da Coreia (dez ponto percentuais do PIB maior), o mesmo exercício do parágrafo acima sugere que nossa renda per capita seria 40% maior.

Certamente termos aceitado enfrentar uma transição demográfica entre 1930 e 1980 investindo 1% em educação básica foi o maior erro coletivo que cometemos no século 20.




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