Já falei das minhas experiências nos cinemas americanos. Quando morava nos EUA (até o final de julho), parei de ir a um com quatro salas perto da minha casa, no centro de Detroit, porque os espectadores falavam durante toda a sessão, e de nada adiantava eu fazer “shhhhh” ou gritar “vim aqui ouvir o filme, não vocês, you bastards!”. E não era um papinho discreto, com voz abafada. Eram casais tagarelando, às vezes até discutindo, em alto volume. Isso não acontecia por causa do público ser mais pobre. Não era que nas salas dos subúrbios os espectadores, com maior poder aquisitivo, fossem um modelo de virtude. A grande diferença era que nesse cinema do centro não havia iniciativa pra educar o público. Provavelmente os espectadores nem sabiam que não se deve agir assim durante um filme. Já as redes suburbanas realizavam amplas campanhas. Numa delas, um curta-metragem fofinho mostrava um bebê chorando, gente conversando, pessoas falando ao celular, e implorava: “Não acrescente sua própria trilha sonora ao filme”. Outras apenas pediam, num aviso na tela antes da sessão começar, silêncio absoluto e respeito aos espectadores. E o pessoal obedecia.
Um dia, pelo jeito, houve um grande auê num multiplex de subúrbio que nunca tinha ido. A rede decidiu comunicar à imprensa as medidas que tomou. Isso é o que consta até hoje no “Código de Conduta da Cortesia Comum”:
“Dent
ro do auditório, ninguém deverá
- falar de forma que atrapalhe o público.
- utilizar telefone celular, mandar mensagens de texto, usar pager, Bluetooth, Gameboy etc.
- colocar o pé em qualquer parte do assento da frente ou do lado.
- chutar ou empurrar o assento de outro espectador.
- correr no cinema, entre as poltronas, nas escadas, ou no lobby.
- permitir que crianças pequenas chorem, se comportem mal, ou perturbem de qualquer forma.
- jogar chiclete em qualquer lugar que não seja a lata de lixo.
- trazer comida e bebidas que não forem compradas no cinema.
- gravar com qualquer equipamento o que está sendo apresentado na tela.”
O comunidado também explicava que os funcionários seriam treinados pra fiscalizar e fazer respeitar essas regras, e que o espectador que não as cumprisse seria “convidado a deixar o cinema”, sem reembolso do ingresso, e se não saísse, a segurança seria usada para colocá-lo pra fora. E pedia pra que os espectadores que não se sentissem aptos a respeitar essas medidas procurassem
outra rede.
Certo, os dois últimos itens protegem os interesses da rede, não necessariamente do público. E as outras regras são tão lugar-comum, tão óbvias, que a gente podia pensar que vêm do berço. Mas os EUA são um país em que até regras ridiculamente óbvias precisam estar escritas. Por exemplo, nos dormitórios da universidade proíbem-se pets (gatos, cães, pássaros, etc), só abrindo exceção para aquários até um certo tamanho. Mas o regulamento precisa especificar: “piranhas não são permitidas nos aquários”. Porque deve ter tido doido varrido que colecionava piranhas, entende?
idade passiva: você assiste e escuta, assim como noutras atividades em que somos espectadores e ouvintes (concertos, boa parte dos espetáculos teatrais). Não pode ser tão impossível ficar sem conversar com o amigo durante duas horinhas, pode? Claro que há filmes que pedem irreverência e reações da platéia, mas todos? Ah, eu quero campanha no Brasil. Pode até chamar de “Campanha pra que a Lolinha Continue Indo ao Cinema”.