Outro dia encontrei um menininho perdido no meu prédio quando cheguei em casa. Ele tinha passado da primeira porta (a que deixa o frio pra fora) e estava no lobby, sem saber o que fazer. Perguntou-me por qual porta eu iria entrar. É que tem duas, mas ambas dão mais ou menos pro mesmo lugar. Eu disse que qualquer uma tava bom, e qual ele queria. Subimos, e eu quis saber o que ele tava fazendo sozinho. Confuso, o lindinho me contou que tava esperando a avó dele, que já tava pra chegar. Então tá. Entrei no meu apê, ainda preocupada, e falei pro maridão que havia um menino desorientado lá fora. O maridão não parece, mas ele tem coração. E imediatamente se preocupou também. Decidi sair dois minutos depois, pra ver se a vó tinha chegado, e lá estava o menininho, aos prantos, tadinho. Agora, essa é uma situação complicada. Aqui não é o Brasil. Aqui é um país em que acusações de abuso sexual pululam. Eu já li que, se você é homem, e tá num elevador, sozinho, e entra uma criança, você deve sair, pra evitar problemas. É um absurdo, eu sei, mas vivendo aqui, a gente começa a pegar os traumas deles. E tem a questão racial. O menininho em questão era negro, mulato, sei lá. O maridão é branco, com toques rosados, e eu me considero meio amarela. No Brasil eu nunca, jamais, de forma alguma, consideraria a cor do guri. Mas nos EUA a segregação é enorme, e a gente acaba pensando nisso sem querer. Passou pela minha cabeça: e se eu convido o menino pra ficar em casa enquanto a avó não chega, e ela não gosta porque a gente é branca e amarela com degradês rosas? Outros pensamentos passaram pela minha cabeça. A mais séria foi: e um menino vai fazer exatamente o quê lá em casa? Poucas casas no mundo, imagino, têm tão pouca coisa pra criança como a nossa. Nada de brinquedos. Neca de revistinha em quadrinhos. Tem uma TV usada não muito colorida, mas o que uma criança assiste às 7 da noite? Bom, decidimos tentar localizar a avó dele. Primeiro fomos com ele até o porão, onde tem as máquinas de lavar roupa. Havia a possibilidade d'ela estar lá, disse o garoto. Não estava. Então tentamos ligar pro número dela através do nosso celular. Essa parte foi bastante constrangedora, admito, porque eu e o maridão odiamos celular, nunca tivemos um no Brasil (tá, eu sei, muita gente me pergunta: “em que século você vive?”), e só compramos um bem baratinho aqui nos EUA pra não precisar adquirir uma linha telefônica fixa. A gente usa tão pouco o celular que não se arrisca a afirmar que sabe usar. O menininho reparou que estava em maus lençóis quando teve que nos dar instruções sobre como fazer a ligação. Finalmente conseguimos ligar, e, lógico, o telefone da mulher tava desligado. Então o garoto disse que talvez a avó estivesse na loja de conveniência em frente. O maridão começou a se agasalhar pra ir lá procurá-la, mas eu tive dúvidas: “E como você vai reconhecer a mulher, amor?”. Admiti nossa incompetência e tratei de procurar
ajuda. Fui bater no apartamento do zelador, o manager, que odeia ser incomodado depois do horário, com razão. Mas pra mim aquilo era uma emergência. Enquanto ele foi procurar a chave-extra, conversamos mais com o menino. Ele tem 7 anos e se chama DeNiro. Algo assim. Pode ser “Denero” também. Um nome pra lá de esquisito. O manager perguntou como ele chegou ao prédio sozinho (seu primo o trouxe), abriu o apê da avó pra ele, e falou pra ele esperar quietinho, vendo TV, que ele, o manager, iria subir de vez em quando pra ver como ele estava. E foi o final da nossa saga. Acho que a avó chegou pouco depois. Eu, de minha parte, me senti bem inútil. Inepta. As sábias palavras que o maridão disse um dia, brincando, quando o filho de uma amiga sugeriu morar conosco, vieram à tona: “A vigilância sanitária não permitiria que uma criança vivesse em casa”. Esquilinho pode?