Durante uma das aulas do doutorado, falávamos em ação afirmativa, que engloba o sistema de cotas. Todas as cinco alunas e a professora, todas nós brancas, éramos a favor do s
istema de cotas. Mas aí a coisa complicou. Alguém perguntou: tá, cotas pra alunos, tudo bem, mas e se forem cotas pra professor, como tem nos EUA? Nosso coração acadêmico, tanto o da professora quanto o das futuras professoras universitárias, balançou. Já não era tão fácil dizer que éramos a favor. Tivemos que pensar um pouco.
essoa com necessidades especiais, que já tem mil e um obstáculos a mais que eu na vida (literalmente falando, inclusive), tivesse um tiquinho de vantagem. Agora, repare só num detalhe: em nenhum lugar do edital tá escrito que era só um cego passar na frente da universidade que, pá pum, seria contratado. O candidato com necessidades especiais, pra se inscrever naquele concurso, teria que ter no mínimo mestrado na área, fazer as provas como qualquer um, e tirar as notas mínimas (sete). Se ainda assim ele passasse, uma vaga seria dele. Não houve nenhum inscrito com deficiência.
do que não foi pensado pra eles e merecem uma forcinha, e negros não? Sendo que um negro no Brasil ganha 40% menos que um branco?
preensivelmente, ele estava muito inseguro, crente que não conseguiria uma das três vagas. E passou. Confesso que fiquei super feliz por ele. Não só por ele ser simpático e competente (os outros também eram), mas por ele ser negro. Se alguém acha que isso é racismo inverso, paciência. É querer tapar o sol com a peneira. Se eu festejasse a aprovação de um candidato branco, eu estaria sendo racista. Festejar a aprovação de um negro, num contexto em que existem pouquíssimos docentes negros, é vibrar por uma sociedade um tiquinho menos desigual.
e na UFC é diferente, mas duvido. Na USP, sabe o porcentual de professores negros? 0,2%. Não chega a um por cento, num Estado que tem 31% de população negra! Quem nega a existência do racismo no Brasil pode tentar interpretar esses números da melhor maneira possível. Pode dizer que, ué, de repente negros nem ambicionam ser professores universitários, e eu aqui, querendo forçá-los! Pode dizer que o problema não é racial, é socioeconômico, que pra ser professor universitário tem que ser classe média pra cima, então os negros não estão inclusos nessa. O que eu acho engraçado é que essa gente que nega o racismo nunca se pergunta por que, se vivemos num país com oportunidades iguais para todos (e quem crê em meritocracia cr
ê também em oportunidades iguais), tantos negros são pobres, e tantos pobres são negros. Na tentativa de explicar o inexplicável, a pessoa precisa acabar assumindo seu racismo: é por que negros são preguiçosos? Não se aplicam tanto? Esses argumentos circulares me lembram um grupinho de alunos adolescentes que tive. Normalmente adoro adolescentes, mas esse grupinho era fogo. Eram só uns seis pra quem eu dava aula de inglês. Todos apáticos, do tipo que você perguntava “O que você mais gosta de fazer?”, e o rapaz respondia, “Dormir”. E eram todos brancos, claro, ricos e mimados. Um dia eu comecei a falar, em inglês, sobre desigualdade racial. E mostrei os dados que dizem que uma mulher negra ganha, em média, um quarto do que um homem branco ganha no Brasil. Meus aluninhos, rindo, nem piscaram. Nu
m dos raros momentos que despertaram de sua apatia, gritaram em coro: “Mas é claro, né, teacher? Todas as mulheres negras são empregadas domésticas!”. O raciocínio deles parava aí. Eles não se permitiam perguntar por que tantas (claro que não todas) mulheres negras são empregadas. Não viam racismo algum nessa situação. E obviamente não se consideravam privilegiados. E muito menos racistas.
oit, onde passei um ano fazendo doutorado-sanduíche (ou seja, tive o privilégio de ser paga pra pesquisar), mais de 80% da população é negra. Mas, na universidade, Wayne State, nem a pau que 80% dos alunos era negra. Dos professores, então, nem se fala. O reitor sim era negro. Se isso faz você se sentir melhor, eu até escondo o fato que ele foi o primeiro e único reitor negro em 140 anos da universidade.