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Voto sem máscara - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 14/02
É triste a constatação de que com o voto aberto a maioria dos nossos deputados se comporta dentro do figurino da ética pública, e no escuro da cabine do voto secreto libera seus mais baixos instintos, votando corporativamente e com interesses que nada têm de republicanos. Tancredo Neves já dizia que o voto secreto dá uma vontade enorme de trair.
Isso demonstra que ainda temos muito o que exercitar na democracia para chegarmos a um Congresso que realmente represente interesses legítimos da população e de setores da sociedade, sem manobras nem subterfúgios.
Mas, como a luz do sol é o melhor detergente, como disse certa vez o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Louis Brandeis, com o voto aberto estamos no caminho certo. Só discordo do voto aberto em situações em que o parlamentar fica sujeito a pressões, como na nomeação de embaixadores e ministros dos tribunais superiores, ou vetos presidenciais.
No mais, o voto aberto deve ser a norma. A regra no Congresso é voto aberto para decisões legislativas, e a exceção era o veto presidencial, que tinha uma razão. Historicamente, só na emenda de 1969 é que se instituiu o voto aberto para o veto, que sempre foi uma garantia da independência da deliberação do parlamentar face à pressão do Executivo.
Pois nessa reforma os parlamentares aceitaram manter o voto aberto para os vetos presidenciais, submetendo-se às pressões do Palácio do Planalto. O voto secreto permanece em outros casos em que não há deliberação legislativa, como a votação que confirma a indicação de autoridades: agências reguladoras, nomeações para os tribunais superiores, embaixadores, procurador-geral da República, que é o titular da ação penal contra os parlamentares.
Nesses casos se faz o voto secreto, entre outras razões, para livrar o parlamentar das peias da própria disciplina partidária. Um partido faz um acordo com governo e enquadra seus filiados, distorcendo a ação parlamentar. Ou então de pressões externas, sobretudo do Executivo. São mecanismos cuja finalidade é o equilíbrio entre as instituições, Executivo, Legislativo e Judiciário.
O fim do voto secreto no caso de cassação de parlamentar é uma medida correta, embora muitos apostem que, paradoxalmente, o ex-deputado Marcio Moreira Alves teria sido cassado se houvesse o voto aberto naquela ocasião, dezembro de 1968.
A decisão da Câmara pela inviolabilidade do mandato parlamentar resultou na edição do AI-5 no dia seguinte à votação. Foi o voto secreto que deu coragem à maioria da Câmara para enfrentar a ditadura. Em tempos de democracia, o voto secreto favorece os conchavos, os interesses subalternos e corporativos.
Tirar o voto secreto dos deputados e senadores corresponde a tirar a máscara dos black blocs. Os parlamentares, à luz do dia, sem poder se esconder no anonimato, todos condenaram o companheiro Natan Donadon, num resultado diametralmente oposto ao que aconteceu na primeira vez em que ele foi a julgamento do plenário, com voto secreto. Naquela ocasião, foi absolvido pelo corporativismo. Os deputados, protegidos pelo voto secreto, agiram como os black blocs mascarados, depredaram as instituições.
Na terça-feira, na votação que pode ter marcado uma nova era para o Congresso, alguns ainda se abstiveram, mas fazem parte de uma minoria resistente aos novos ares, exceto naturalmente aqueles com reais motivos para a ausência.
Assim como os nossos deputados têm agora que mostrar a cara e assumir posições diante da opinião pública, também seria bom que os black blocs, arrancadas suas máscaras, fossem para as ruas protestar contra o que quisessem. De peito aberto, cara limpa, assumindo seus atos. Certamente a violência, e o corporativismo, serão reduzidos.
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