... e se fosse seu filho?
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... e se fosse seu filho?


Dr. José Nazar, psiquiatra e psicanalista 

É isso mesmo, ...e se fosse o seu filho, ou sua filha, que estivesse perdido no mundo das drogas, vivendo nos escombros de uma cracolândia. Qual seria a sua posição, você seria contra ou a favor de uma internação hospita- lar à força? Nesse caso, a coisa seria diferente?
E você, qual é a sua opinião, é contra ou a favor de uma internação compulsória? Esta foi a pergunta que lancei para alguns pro- fissionais, que têm reagido de uma maneira veemente contra a ideia das internações compulsó- rias para usuários de drogas, mesmo em casos de muita gravidade. 
Mas quando lancei, mesmo sem pensar, a pergunta: e se fosse seu filho? A resposta veio rápida: aí seria totalmente diferente!
De fato, essa não é uma questão simples de se resolver. Se é que algum dia ela venha a ser resolvida, pois parece que o ser humano necessita da droga para continuar vivendo.
A sociedade como um todo deveria participar, se implicar, praticar um pouco mais de cidadania, dizer o que acha de uma situação tão difícil quanto delicada como essa. Isso porque, todos estamos no mesmo barco, fazemos parte dessa tragédia, de algo esdrúxulo que redundou na construção de redutos abismais, assim chamados de cracolândia.
Esse fato, atual, tornou-se motivo de um debate que não vai ficar por aí, de graça, isso ainda vai render. A coisa toda circula entre o que se torna necessário, no sentido de uma medida justa, no sentido de fazer cessar algo desconhecido pelo próprio sujeito, de uma doença compulsiva grave, que coloca em risco máximo, a vida do usuário de drogas – e, como consequência, a de outros também, sejam familiares ou não –, e aquilo que é permitido por lei, o que é humano ou não, agressivo ou aterrorizante, em relação a intervenções.
Difícil para os governos, para os agentes de saúde, para a sociedade, para os cofres públicos. Um problema de saúde pública!
O problema reside na iniciativa atual do governo – diga-se, corajosa, saudável num certo sentido –, que resolveu olhar de frente para esta questão limite, levando a sério uma iniciativa de se criar uma política pública, mais agressiva, contundente, radical, em relação aos excessos que têm com- parecido, em relação ao uso abusivo de drogas, mais especificamente, do crack.
Veja, em se tratando de doenças da cabeça, não existe uma medida justa, correta, sem dor.
As intervenções propostas neste plano inicial de combate aos excessos da pulsão de morte geram consequências.
Muitas são as pessoas que não concordam com uma internação compulsória de usuários de crack. Uns se apoiam em leis existentes, estabelecidas, profissionais da área de saúde mental, que acreditam ser possível alcançar o mesmo objetivo, utilizando procedimentos menos agressivos, e por aí vai. Só que a coisa continua, formam-se guetos, núcleos alimentados pelos efeitos catastróficos de uma pulsão de morte, suicídio em massa.
A razão de tal recusa encontra respaldo no argumento de que o sujeito deve ter liberdade de dizer se aceita ou não tratar a sua dependência em regime fechado. Esse ponto de vista vale até para aqueles de- pendentes que vivem suas vidas no abandono dos redutos denominados cracolândia.
Acreditam que possa haver uma outra maneira de abordar uma situação como essa, sem a necessidade do uso da força, abrindo perspectivas de diálogos.
O debate sobre o uso e o abuso de drogas ultrapassa todos os valores preconizados pelas dimensões da existência humana.
Quem sabe responder por uma questão como esta, tão difícil quanto delicada, que toca fundo os impasses da vida e da morte?
O indivíduo que se encontra imerso no vício de crack, ele mesmo não pensa mais, há muito abriu mão da sua dignidade de desejo, e deixou de responder por si mesmo. Tornou-se um objeto, onde não mais sabemos quem é quem, se ele próprio não se tornou a própria droga.
Uma cracolância é algo que promove os piores sentimentos em todos nós. Ali, naquele amontoado de indivíduos em sofrimento, existe um pedacinho de cada um de nós, de um dejeto, de uma escória, de uma...desistência.
Portanto, sou inteiramente a favor das internações compulsórias. Isso não é sem erros, isso não é sem dor, isso não é sem uma margem de risco. Mas é melhor do que nada fazer. Desculpem-me!




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