Geral
«Oil for food»:Tony versus Kofi
Em nome da honra perdida de Tony Blair, veio Jack Straw desmentir as revelações de Kofi Annan de que os governos britânico e americano fizeram vista grossa a actividades de contrabando do petróleo iraquiano para a Jordânia e a Turquia desde os primeiros anos da aplicação do Programa «Oil for Food».
O Programa permitia ao Iraque vender um determinado valor de petróleo cada seis meses e comprar géneros de primeira necessidade e medicamentos (o rendimento do petróleo ficava depositado numa «escrow acccount» da ONU, à ordem do governo de Saddam, mas apenas utilizável nos contratros de compra autorizados, um a um, pelo Conselho de Segurança). O Programa foi concebido por americanos e britânicos para aliviar a pressão para o levantamento das sanções, resultante do impacte brutal que elas estavam a ter sobre o povo iraquiano desde a Guerra do Golfo I. E foi aprovado pelo CS e aceite por Saddam em 1996, mas só começou a ser aplicado em 1997 - ano em que Portugal entrou para o Conselho de Segurança e lhe coube presidir ao Comité de Sanções ao Iraque (res. 661) .
Ao chegarmos a Nova Iorque no dia 1 de Janeiro de 1997, o Embaixador António Monteiro já tinha à sua espera a primeira resma de contratos no ambito do «Oil for Food» para assinar. E durante os dois anos seguintes - os primeiros de vigência do Programa - teve de apor a sua assinatura em todos os contratos autorizados pelo Comité. Analisar esses contratos, para o nosso Embaixador/Presidente do Comité de Sanções não assinar de cruz (eram pilhas de papeís, diariamente), era uma das responsabilidades da equipa que eu coordenava.
O Programa dava a Saddam a possibilidade de escolher a quem vendia o petróleo e a quem comprava arroz ou computadores (estes sistematicamente bloqueados por ingleses e americanos, alegando serem equipamentos de «dual use»). Não admira, por isso, que Saddam escolhesse a dedo os fornecedores e clientes - chineses, russos e franceses foram obviamente privilegiados (para desespero de várias companhias americanas, que bem tentavam entrar no circuito...).
Ao fim de uns meses,
a perversidade do Programa era evidente - eu própria por várias vezes avisei os colegas americanos e ingleses de que, sem querer, tinham dado a Saddam um
instrumento ideal para ele orquestrar o jogo de gato e rato que se entretinha a cultivar com o Conselho de Segurança. E também
mais uma arma para oprimir o seu povo e suprimir a resistência interna - é que o regime passara a distribuir cabazes de géneros essenciais a todas as famílias (que se portassem na linha, evidentemente...).
De três em três meses, vinha à nossa Missão e ao Comité de Sanções um Almirante americano, da Esquadra da US Navy que patrulhava as águas do Golfo a pretexto de assegurar o cumprimento das sanções. E o Almirante sistematicamente reportava que umas tantas barcaças iranianas faziam contrabando de petróleo iraquiano - a coisa parecia mais para entalar o Irão, que jurava a pés juntos que nada tinha a ver com isso, se acontecia era à revelia das autoridades, etc...
Não sei quantas vezes eu, colegas portugueses e diplomatas de outros países dissemos a americanos e ingleses que aquele «vaudevillle» era demasiado mau: é que toda a gente sabia que
muito mais petróleo do que o transportado nas barcaças iranianas, era o que abastecia regularmente a Jordânia, fornecido por Saddam, com a benção - tácita, mas indesmentível - dos EUA e RU (a contrapartida de comprarem a colaboração jordana neste e noutros tabuleiros e a maneira de não terem de compensar mais Amã pelos danos à sua economia causados pela Guerra e pelas sanções ao vizinho).
A fila de camiões-cisterna era constante, ao longo da estrada Bagdad-Amã, como toda a gente podia verificar. Como
constante era também a fila de camiões-cisterna que levavam de contrabando o petróleo de Saddam, de Kirkurk para o porto de Ceyhan, na Turquia, com americanos e ingleses a fazerem vista-grossa aos proventos dos parceiros-NATO otomanos, também eles chorando-se pela perda do comércio com o vizinho. Num dos «briefings» que a nossa delegação teve no Departamento de Estado, em Washington,
lembro-me que os próprios americanos nos mostraram fotografias aéreas dessa fila permanente (o objectivo era demonstrar-nos como Saddam mentia e enganava, o que estavamos fartos de saber...).
Na abundante telegrafia que diariamente, durante aqueles dois anos, mandamos da nossa Missão em NY para o MNE, encontram-se múltiplos relatos do que acima descrevo.
Kofi Annan tem razão quando denuncia o comprometimento dos governos americano e inglês, numa altura em que o «Oil for Food» é utilizado como arma de arremesso contra a ONU (atenção, pelo «rapaz» Benon Sevan, que a certa altura passou a dirigir o Programa, e pelo filho do Kofi, eu não ponho as mãos no fogo...).
Tony Blair tem razões para sentir
má-consciência em relação ao Iraque e fúria por Kofi ter frizado que a
invasão do Iraque foi ilegal. Lata também não lhe falta: até manda Jack Straw fazer figura de virgem ofendida!...Coitado do Straw, que ao tempo, nem sequer estava no Foreign Office
É perguntar ao Robin Cook, o Foreign Secretary de então. E ele decerto confirmará. Que
o Kofi tem carradas de razão.
-
Novo Mne E Iraque
Dando primeiros passos, tímidos, no sentido de ensaiar uma retirada do Iraque, mas no incómodo que sempre lhe suscitaram debates parlamentares sobre esta matéria - logo, sem dar cavaco a ninguém - decidiu o Governo da direita (ainda o de Durão Barroso)...
-
O Chu-chu De Rummy Ao Léu...
Ai o que me torci ontem de riso, quando a BBC passou imagens da casa em Bagdad do Ahmed Chalabi, virada do avesso... pelos seus compinchas americanos, a pretexto de trafulhices e embustes vários,incluindo passagem de informações sobre a coligação...
-
Deixamos Imolar Ramiro Lopes Da Silva?
Ele ficou a dirigir a ONU em Bagdad quando Sérgio Vieira Mello e mais 22 funcionários foram assassinados num miserável atentado em 19 de Agosto de 2003. Na altura os nossos media embandeiraram em arco, destacando a «portuguesisse» do Ramiro – muitos...
-
Autocrítica
Esta súbita proliferação de comissões de inquérito às armas de destruição maciça que afinal não se encontraram no Iraque a todos deve fazer reflectir. E admitir erros, se for caso disso.
No início da guerra afirmei acreditar que Saddam pudesse...
-
Dez Anos De Guerra Do Iraque
Kofi Annan da ONU cumprimenta Saddam Hussein Rodrigo Constantino Dez anos de Guerra do Iraque. O que você "sabe" é que Bush mentiu para ir à guerra e terminar o serviço começado pelo pai, certo? O que você talvez não saiba é que Saddam Hussein...
Geral