"ME SINTO CONSTRANGIDA DIANTE DAS MULHERES"
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"ME SINTO CONSTRANGIDA DIANTE DAS MULHERES"


A G. quis compartilhar esta auto-reflexão conosco (e saber as nossas histórias também):

Lola, tudo bem? Acho foi há um ano que comecei a ler seu blog com frequência, e, depois de um tempo, comecei a lê-lo todos os dias. O que aprendi contigo e com os guest posts não está no gibi. Muito obrigada.
Neste ano de 2015 tenho passado por várias crises, mas tenho aprendido muito com elas, que acabam fazendo com que eu entenda cada vez um pouco mais sobre mim.
Uma das coisas que percebi há umas três semanas, depois de relembrar vários episódios de minha vida e de me observar no dia a dia, foi o seguinte: me sinto ligeiramente (ou muito, dependendo do caso) intimidada com as mulheres. Tenho amigas mulheres, é claro, e com algumas delas me sinto total e completamente à vontade. Mas com muitas (muitas mesmo) fico tentando agradar, fico pensando que não estou agradando, se estou sendo exagerada, fico me achando boba na frente delas. 
E nem sempre é assim com os homens. Muitas vezes com eles fico bem mais risonha, solta, sou eu mesma. É claro que isso não é regra, mas quando tenho uma amizade com algum homem, sem intenções de sexo (pois isso também é um fator que me deixa artificial na frente de um homem: se ele quer algo a mais, não consigo manter a amizade e me afasto), geralmente a relação flui muito mais do que com as mulheres. Não parecemos tão distantes. Muitas vezes me sinto mais distante das mulheres.
Até mesmo por esta questão o feminismo anda me fascinando: não só venho entendendo o histórico de repressão que nós sofremos (no passado e no presente), como venho me aproximando mais deste universo, tão rico, tão meu, no qual ainda me nego a mergulhar profundamente. 
(Apenas uma contradição: outro dia me vi no vagão das mulheres no metrô -- ainda não tenho opinião formada, mas o fato é que eu estava nele -- e me senti feliz em meio a tantas outras mulheres, pensei: uau, engraçado, me sinto segura entre elas, me sinto em casa, aconchegada. Fiquei observando-as, curtindo o momento e curtindo nossa energia feminina.)
Na verdade quando falo de constrangimento frente às mulheres, falo de mulheres da minha idade, aproximadamente, e algumas vezes de mulheres consideradas bonitas pelos padrões vigentes. Então isso me fez pensar se este meu embaraço frente às mulheres seria algo relativo a uma homossexualidade não muito bem trabalhada por mim. 
Comentei isso com meu namorado (pois felizmente nos sentimos à vontade para nos abrirmos um com o outro) e ele opinou que poderia ter mais a ver com a tal da competitividade entre as mulheres, aquela que a sociedade tanto estimula. Concordei na hora, e pensei que realmente fazia sentido. Foi como um “clique”, parece que entendi tudo (quem dera, né?) naquele momento. A homossexualidade seria mais “simples” -- entre muitas aspas --, pois não é algo que me amedronte. Mas a competitividade, sim, é complexa, visto que é um problema a ser resolvido –- ao contrário da homossexualidade, que em si não carrega problema nenhum.
É, acho que o problema é esse mesmo: fomos criadas (e somos, ainda) para competirmos entre nós, para vermos sempre quem é melhor, para chamarmos a outra de feia, ou piranha, ou fresca, ou mulherzinha. Somos estimuladas a dizer: "me dou melhor com homens do que com mulheres". Triste perceber que este mito foi se espalhando e funcionando: hoje em dia várias mulheres, assim como eu, de fato se sentem mais livres ao lado de amigos homens. 
É chato se ver como um produto de valores tão equivocados. Mas é libertador, também. E agora, por descoberto este problema, tenho tentado olhar para as mulheres de uma forma menos boba, tenho exercitado um olhar mais de igual para igual, tenho tentado ser menos medrosa. Tento agora olhar as mulheres que admiro sem achá-las muito melhores que eu, sem me diminuir.
É claro que tudo isso está ligado a uma característica que rege minha vida desde muito pequena: a insegurança. Tudo o que faço é movido por esta força (ou melhor, fraqueza), e infelizmente minha relação com as mulheres não poderia deixar de ser afetada pela baixa autoestima. É uma pena, de verdade, perder tanto tempo de vida se relacionando com outras pessoas de uma forma tão torta, carente e frágil. Mas é muito bom entender finalmente isso.
Ainda tenho sofrido vez ou outra pensando em algumas mulheres das quais eu adoraria me aproximar e não consigo, graças a esta minha visão ainda distorcida da realidade. Mas faz muito pouco tempo que entendi isso (apenas umas três semanas, como disse), e são muitos anos pensando de forma equivocada. Não resolverei isso da noite para o dia. 
Mas irei resolver, tenho certeza, pois outras crises vieram e, como recompensa, veio também a compreensão do problema que gerou a crise. Prefiro sofrer para solucionar algo do que ficar com um sofrimento que me acompanhará a vida inteira, apenas por medo de encarar estas questões.
Fiquei com muita vontade de escrever para ti porque, além de precisar colocar isso por escrito como forma de organizar um pouco as ideias, fiquei pensando se outras leitoras do seu blog também não se sentem assim em relação a algumas mulheres que admiram, ou com quem convivem. Seria bacana ouvir outras mulheres falando sobre isso. 

Meu comentário: Querida G., gostei muito do seu relato, principalmente porque ele é otimista. Você vê uma crise, uma descoberta sobre si mesma, como um meio de crescer. Não como algo que se deve temer. É bom pensar assim, pelo menos de vez em quando.
Eu concordo com o seu namorado. O velho "não me sinto à vontade perto de mulheres", vindo das mulheres, faz parte da nossa socialização. Aprendemos isso desde criança -- que mulheres não podem ser amigas, que mulher não é de confiança, que cedo ou tarde vai roubar o namorado. Daí pra repetir sem pensar "Prefiro trabalhar com homens" é um pulo. 
Acho que até eu, feminista desde menina, já devo ter proferido essas palavras ridículas quando era jovem. Mas eu falava sem pensar, sem realmente parar pra refletir que esse discurso machista é negativo para todas as mulheres (afinal, eu sou mulher. E mesmo que eu me sentisse "um dos caras", os caras sempre vão me ver como mulher, não como um deles).
Mas não tenho certeza se já me senti constrangida diante de alguém. Quero dizer, uma situação pode ser constrangedora (uma boa dica é: saiba rir de si mesma), às vezes eu sou a rainha das gafes, e às vezes eu não tenho vontade de socializar (geralmente no fim de um dia cheio -- tudo que quero é tirar o sutiã e os sapatos).  
Já faz alguns anos que percebi que prefiro a cooperação à competição. Aprendi isso na minha vida acadêmica: em 1998, ao fazer uma especialização em inglês em Joinville (praticamente a turma toda era de mulheres -- professoras ou secretárias), decidi ajudar todo mundo que precisasse. Eu era a única sem graduação cursando pós, mas, ironicamente, era uma das melhores da turma. E tive um excelente relacionamento com todas.
Na graduação não foi assim, mas, chegando ao mestrado na UFSC, novamente vi que estávamos no mesmo barco, e que deveríamos nos ajudar, em vez de competir. Às vezes um pouco de competição era inevitável (só havia uma bolsa, por exemplo, e eu e uma amiga empatadas para ficar com ela). Mas não permitíamos que isso interferisse na nossa amizade. Só sei que o clima era muito melhor sem essa imposição de ter que superar xs colegas.
Acho que o feminismo é legal até pra fazer a gente pensar no nosso relacionamento com mulheres. Não vou concluir que uma mulher é bacana só por ser mulher, mas talvez eu tente empatizar mais, talvez eu tente me colocar mais no lugar dela. O que não quer dizer que eu sempre consigo.




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