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A "guerra fria" do século 21
Por Emir Sader, na Revista do Brasil:
“É a mais significativa virada nas relações entre as grandes potências desde o colapso da União Soviética”, confessa a revista The Economist em editorial, depois de enunciar que a dominação norte-americana está sendo desafiada, com capa em que jogam cartas os chefes de Estado dos Estados Unidos, da Rússia e da China. A operação militar russa na Síria e os acordos a que os norte-americanos foram obrigados a chegar para tentar evitar choques entre seus bombardeiros e os de Moscou terminam de constituir a ideia de que há uma nova Guerra Fria em curso. A Rússia intervém num país que considera sua área de influência e empurra Washington a um acordo que formalize essa definição.
Tudo se encaminhava, há dois anos, para uma convergência de interesses entre os Estados Unidos a Rússia, quando esta, valendo-se da incapacidade norte-americana de criar as condições políticas para atacar a Síria, conseguiu impor os meios para o acordo. O ataque à Síria seria o prenúncio do ataque ao Irã – sempre desejado por Israel – e da generalização de conflitos na região e com a Rússia.
O acordo abriu as portas para o entendimento com o Irã – com o isolamento de Israel e Arábia Saudita – e tudo permitia prever um tempo de mais acordos entre norte-americanos e russos. De repente, explodiu a crise na Ucrânia, um limite para a Rússia e para os Estados Unidos. A Rússia não podia permitir que um país nas suas fronteiras ingressasse na Otan – ferindo os acordos assinados por Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan. Washington não podia tolerar que a Rússia recuperasse a Crimeia impunemente.
Foi o estopim que reverteu aquela tendência e instaurou o clima da nova Guerra Fria. As represálias econômicas das potências ocidentais contra a Rússia causam danos reais a esse país, que reciclou compras de produtos agrícolas da Europa para a América Latina e faz um movimento estratégico fundamental de acoplamento da sua economia à da China, enquanto revela seu novo poderio militar na Síria.
Foi-se configurando um bloco que questiona a hegemonia do bloco ocidental dirigido pelos Estados Unidos, tanto no plano econômico como político e militar. Os Estados Unidos continuam sendo potência hegemônica no mundo, mas ficou para trás – como constata The Economist – o período de cerca de duas décadas e meia de sua hegemonia absoluta no mundo. Hoje se pode dizer que, com o Brics (o bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), já existe uma espécie de multipolaridade econômica no mundo, com uma arquitetura distinta da de Bretton Woods – apoiada no FMI e no Banco Mundial – em processo de construção, centrada no sul do mundo. As alianças da Rússia com a China constituem o eixo dessa nova configuração – que incorpora América Latina, ou parte dela, e parte da Ásia.
Os elementos de força do campo dirigido por Washington estão no plano militar, tecnológico e econômico, mas os próprios Estados Unidos, como principalmente Europa e Japão, vítimas de prolongada estagnação econômica e intranscendência política, estão em processo de decadência. Enquanto o bloco dirigido por Rússia-China, mesmo em inferioridade militar, econômica e tecnológica, está em processo de fortalecimento. A primeira metade do novo século encontrará uma nova configuração de poder no mundo.
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