Geral
A aritmética do crescimento - FERNANDO ROCHA
Valor Econômico - 06/03
Os economistas podem não ser muito bons para projetar variáveis econômicas mas são hábeis na arte de simplificar o complexo mundo econômico e reescrevê-lo em algumas equações simples. Vejamos o caso do crescimento dos países. O processo costuma ser descrito por uma função de produção simples, onde o PIB (Y) depende de dois fatores, trabalho (L) e capital (K). O crescimento do PIB resulta do crescimento do estoque de capital e da quantidade de trabalho, em geral medida pela população ocupada. Ocorre que a soma ponderada do crescimento dessas duas variáveis costuma ser menor do que o crescimento do PIB. A diferença é explicada por um termo (A) que é chamado de produtividade total dos fatores. Esse termo é achado por diferença na equação, ou seja, é a diferença entre o crescimento do PIB e o crescimento dos fatores de produção, ponderado pelo peso de cada um na equação. Em geral, esse termo (A) é positivo e, nos países de crescimento rápido como a China, é altamente significativo e chega a explicar quase 50% do crescimento do PIB.
O termo (A) da função de produção não é usado apenas para se fazer uma conta de chegada. Ele é facilmente compreensível em termos intuitivos, pois representa as instituições, a qualidade da mão de obra (educação), o ambiente de negócios, a maior ou menor burocracia, a qualidade da infraestrutura, a inovação científica e tecnológica, enfim, coisas que não são capturadas diretamente pelo estoque de fatores de produção (capital e trabalho), mas que fazem muita diferença no desempenho de uma economia.
Quem já teve oportunidade de viajar para o exterior, seja para países desenvolvidos, como EUA, Europa e Japão, ou para países emergentes da Ásia, já deve ter notado a brutal diferença de infraestrutura entre esses países e o Brasil. Logo na chegada, percebe-se a diferença na dimensão e eficiência dos aeroportos. Em seguida, tem-se à disposição uma variedade de modais de transporte cuja integração acelera o deslocamento das pessoas e cargas a um custo mais baixo. O viajante se surpreende ainda com os processos mais eficientes no setor de serviços, como uma simples refeição, aluguel de veículo ou serviço de hospedagem, em que um número menor de pessoas consegue atender de forma mais rápida e eficiente as demandas. As comparações vão além para quem é empresário e se estabelece nesses países. A burocracia para abrir ou fechar uma empresa é menor, os impostos são bem mais simplificados, os serviços de apoio e fornecedores em geral são mais eficientes, o que resulta em maior produção com a mesma quantidade de trabalho e capital empregados. É isso que o termo (A) da equação representa.
Segundo o artigo "Crescimento Brasileiro Revisitado", de Edmar Bacha e Regis Bonelli, publicado em 2012, entre 2000 e 2010, o crescimento do PIB brasileiro foi de 3,7% ao ano, sendo a contribuição do fator trabalho de 1,3% e a contribuição do capital de 1,2%. Desse modo, a soma ponderada dos fatores de produção é de 2,5% e a sua diferença para o crescimento total do PIB é de 1,2%, o que é a produtividade total dos fatores (PTF). Na China, segundo um estudo do Morgan Stanley ("Asia Insight: Assessing China's current slowdown and long term potential growth", de 2012), no mesmo período, a contribuição do crescimento da força de trabalho foi de 0,8% ao ano, a contribuição do crescimento do estoque de capital de 4,6% ao ano e a PTF de 5,0%, explicando quase a metade do ritmo total de crescimento do período (10,4% ao ano). Ou seja, a produtividade na China cresceu quatro vezes mais do que no Brasil em uma década.
Se olharmos o que aconteceu em países como a Inglaterra, EUA, Japão ou Coreia do Sul, nos seus respectivos ciclos de crescimento acelerado, veremos que o mesmo fenômeno aconteceu. A conclusão é que não existe crescimento acelerado sem aumento substancial da produtividade. Isso se consegue com educação e treinamento da força de trabalho, melhoria do ambiente de negócios, simplificação da burocracia, redução de impostos e investimentos em infraestrutura. O Banco Mundial tem uma publicação chamada "Doing Business", em que há uma classificação dos países em quesitos que avaliam a facilidade de se fazer negócios em cada um. O Brasil figura em 116º lugar entre 189 países. Países em desenvolvimento como África do Sul (41º), Peru (42º), México (53º) e Turquia (69º) aparecem em posições bem melhores enquanto países da Ásia se destacam nos primeiros lugares: Cingapura (1º), Hong Kong (2º) e Coreia do Sul (7º). Melhorar a posição nessa lista deveria ser o objetivo número 1 de um governante brasileiro.
Por fim, é importante acrescentar que o Brasil não é mais um país de mão de obra abundante. Passamos por uma importante transformação demográfica, com queda substancial da natalidade. A população brasileira em idade ativa cresce atualmente a uma taxa que se aproxima de 1% ao ano. Por outro lado, o desemprego teve uma redução substancial ao longo dos últimos dez anos, o que garantiu um crescimento da população ocupada bem acima do crescimento da população em idade ativa. Isso não deve acontecer mais. Deste modo, a contribuição do fator trabalho para o crescimento do PIB tende a decrescer bem, do 1,3% ao ano apurado por Bacha e Bonelli (2012) para algo próximo de 0,5% ao ano. É urgente, portanto, a agenda do aumento da produtividade para se avançar mais rapidamente.
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