A DIMENSÃO DO ESTRAGO
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A DIMENSÃO DO ESTRAGO


Ontem, quando escrevi sobre a depredação de estátuas religiosas na Marcha das Vadias do Rio, peguei leve, pisei em ovos. Você pode ler o texto, não mudei uma vírgula. 
Eu me coloquei contra o ato, pois o considerei ignorante e desnecessário. Continuo com a mesma opinião. Mas, à medida que o dia foi passando, obtive mais informações. Bom, primeiro teve uns ataquezinhos básicos contra a minha pessoa (pois é, você pode se perguntar: o que eu tenho a ver com isso? É que quando você tem um blog mais lido, tudo que você diz ou não diz pode e será usado contra você). Então desde cedo teve um reaça que escreveu que eu aplaudi o ato. E uma feminista que só fala de BBB me chamando de feminista covarde porque eu não aplaudi o ato. Normal, tô acostumada: haters gonna hate. Sempre
Mas foram chegando outras imagens e detalhes do que foi o ato. Primeiro que foi uma performance de duas pessoas de um grupo que costuma fazer intervenções como essa, o Coletivo Coiote. Segundo que não foi só fazer picadinho de santa que o tal coletivo fez. Teve crucifixo sendo enfiado na vagina e no ânus. Essa imagem que eu ponho ao lado é de uma página que apoia o ato. Mas pode apostar que esta imagem e outras mais gráficas estão circulando entre reaças que neste exato momento denunciam a Marcha das Vadias ao Ministério Público. 
Porque de repente depredar símbolos religiosos pode configurar crime segundo o Código Penal, neste artigo aqui: "Art. 208 - vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa." Eu ser contra ou a favor dessa lei não muda nada (sou contra). 
Não quero que o casal do coletivo seja punido, e muito menos a organização da Marcha, que nem viu a performance e não teve nada a ver com ela. Mas num momento em que todxs nós deveríamos estar comemorando o sucesso que foi a Marcha, aqui estamos nós na defensiva, brigando entre nós, com as organizadoras precisando consultar advogados e sendo ameaçadas de estupro e morte. 
Minha pergunta é: precisava mesmo disso tudo? O que a gente ganha com o ódio de quem viu seus símbolos desrespeitados? O que essa performance acrescentou ao feminismo? À Marcha das Vadias? 
É esquisito porque só de fazer essas perguntas no Twitter já fui bombardeada e chamada de traidora por outras feministas. Eu, que sempre sou a primeira a dizer que abro mão de ser uma feminista educada e limpinha. Eu, que sempre digo que o feminismo vai ofender e escandalizar muita gente sim, e que não devemos deixar de falar e dizer as coisas por conta disso. Eu, que sou ateia, que não tenho o menor apreço pela igreja católica (ou por qualquer religião), que vivo escrevendo sobre como o cristianismo é machista, que sou frequentemente tachada de anti-religiosa. Desta vez eu fui acusada de defender o Papa e o catolicismo. 
Pô, o Papa e o catolicismo têm grana e séculos de tradição e milhões de fiéis e a mídia para defendê-los. Certamente não precisam do apoio de uma feminista ateia. Além do mais, eles não têm o meu apoio. Por mais estúpido que seja o que o Coletivo Coiote tenha feito, nada chega perto de chamar mulheres de bruxas e queimá-las em fogueiras. Ou de condenar à morte, negando-lhes a possibilidade de um aborto seguro, milhares de mulheres. Ou de, no caso de uma menina de 9 anos que foi estuprada e engravidada pelo padrasto, proibir que essa menina, mesmo correndo risco de vida, fizesse o aborto, e excomungar a mãe da menina, as feministas que apoiaram a menina, os médicos que finalmente, correndo contra o tempo, realizaram o aborto -- enfim, a igreja excomungou todo mundo menos o estuprador. Acho meio difícil defender essa igreja. 
Por outro lado, admiro o Católicas pelo Direito de Decidir, por exemplo. Já dividi mesas-redondas com suas representantes e aprendi muito. Minha chance de mudar a igreja é zero. As chances de um grupo dentro da igreja poder mudá-la? Talvez não sejam chances muito maiores que zero também, mas são maiores que as minhas. Fico pensando no que o CPDD -- que eu considero aliadas no feminismo -- sentiu ao ver o que fez o Coletivo Coiote.
Fico pensando também se haveria alguma feminista defendendo e justificando o ato se ele não tivesse vindo de um coletivo desconhecido, mas do Femen, por exemplo. Não, não estou comparando a Marcha das Vadias com o Femen. Estou comparando a performance do Coletivo Coiote com as tantas performances do Femen, que são feitas unicamente para atrair a atenção da mídia. E aí: e se fosse o Femen? Estaríamos dizendo que pior que o ato foi um participante da Jornada Mundial da Juventude que cuspiu numa das manifestantes da Marcha das Vadias? Que tudo bem desrespeitar símbolos religiosos porque a igreja desrespeita mulheres? Que os cristãos "chutam macumba" direto e ninguém faz nada, então também se pode chutar estátuas de Maria? 
Desconfio que não, que se fosse o Femen, nossa reação seria de repúdio. Elas nem são feministas, diríamos! Elas foram pra Marcha pra sabotá-la, só pode. 
Pois é. Não estou dizendo que o pobre casal do Coletivo Coiote, que certamente deve estar sofrendo centenas de ataques e ameaças (e, lembrando, ameaçar alguém é crime), foi pra Marcha sabotá-la. Provavelmente suas intenções foram lindas e nobres. Mas, diante da dimensão do estrago, eu digo que nem que alguém tivesse planejando vilipendiar a Marcha, teria se saído melhor. 
Sério. Caso real: um mascu esteve em Copacabana no sábado pra atrapalhar a Marcha. Foi premeditado -- o sujeito avisou o fórum durante semanas que iria; eu avisei a Marcha pra que ela pensasse sobre como agir (pra não correr o risco de repetir o exagero da excelente Marcha das Vadias de Brasília). O mascu levou um cartaz ridículo, que foi tirado de suas mãos em dois tempos, e voltou pra casa com o rabinho entre as pernas. Se ficou dez minutos na Marcha, foi muito. Ou seja, não fez nem cócegas.
Mas vamos supor que mascus tenham algum neurônio e decidam que, na próxima Marcha (e nem precisa ser no Rio, e nem precisa ser Marcha das Vadias; pode ser qualquer protesto feminista), pra que todo mundo fale mal das feministas, eles, em vez de levarem um cartaz mal-escrito, levem símbolos religiosos. E vamos supor que eles, fingindo fazer uma performance feminista, destruam os tais símbolos, se masturbem com eles, enfiem no c* (mascus fazem qualquer sacrifício pra desmoralizar feministas). E vamos supor que as manifestantes da Marcha, pegas de surpresa, fiquem só olhando, e talvez se deem as mãos e façam uma roda para impedir que os performáticos sejam atacados. E vamos supor que no dia seguinte todo mundo só associe uma bela marcha de mais de três horas de duração com esses dez ou quinze minutos infames. E aí? Diríamos que os mascus foram vitoriosos em arruinar a marcha, ou não?
Ontem a organização da Marcha do Rio deixou um comentário pouco incisivo no Facebook (não o encontrei mais, acho que tiraram, mas os reaças printaram; clique para ampliar). A Folha de SP interpretou a nota como se as organizadoras lamentassem a "quebra de imagens sacras". Não foi bem isso que entendi não. Tinha que ser uma nota bem mais dura, desvinculando a performance da organização. Essa desvinculação é difícil. Se no ano passado a Marcha do Rio teve um minúsculo conflito com uma igreja em Copacabana e ficou marcada por isso, imagine agora. 
Lindo ato na Marcha de São Carlos
Mas é preciso que a organização se posicione melhor, sem ambiguidades. É preciso que a Marcha do Rio (e todas as outras) discutam o que fazer se ocorrer um outro caso desses. Interromper? Expulsar e dizer que a Marcha não compactua com intolerância religiosa? Ou todas as performances (não os gritos de guerra, mas os atos artísticos, teatrais) teriam que passar pelo crivo da organização antes do dia? Eu realmente não sei. Mas pense em quantas performances têm potencial pra dar errado (sei lá, imagine alguém simulando o abatimento de um animal, ou castrando um cara fingindo ser o Feliciano, ou fazendo merchandising de alguma marca). Depois que o ato é realizado durante a Marcha, não é nada fácil explicar que ele não fazia parte da Marcha. 
Eu me solidarizo com a Marcha, com todas elas. Participei da de Fortaleza, da de Recife, e sábado estarei na de João Pessoa. Só posso imaginar como é complicado organizar tudo isso, ter que lidar com mil e um imprevistos, cuidar da segurança dxs participantes, dar declarações pra mídia que não raro são incompreendidas. É impossível ser capaz de controlar tudo num protesto ao ar livre com milhares de pessoas, mas é preciso tomar posições. E rápido.
A linda Amana
No sábado eu vi mais de duas horas da Marcha das Vadias do Rio pela internet, em tempo real, através do Mídia Ninja. E foi tudo lindo. Não vi o Coletivo Coiote. Vi um montão de gente descontraída, cantado gritos de ordem como "Ô Vaticano, vou te dizer, existe amor independente de você" e "Papa, levanta seu vestido, quem sabe aí embaixo está o Amarildo?" Óbvio que tem reaça que se ofende com isso também, com qualquer menção ao Papa, com a própria existência de mulheres (algumas de topless, algumas fora do padrão de beleza) reivindicando direitos. Mas chutar santa é descer ao nível universal do reino de deus de intolerância. É dar combustível pro inimigo. Não ajuda em nada, só atrapalha.
Apesar do meu otimismo incontrolável, eu não tenho muita esperança que o feminismo possa fazer reaças deixarem de ser reaças. Só que tem muita gente que não é reaça, e não é feminista, mas pode se identificar com as nossas lutas, e eventualmente vir a lutar conosco. Eu vejo isso acontecer todos os dias. E são essas pessoas que a gente perde ao depredar símbolos religiosos. Ou ao apoiar quem depreda.
E creio que ainda não chegamos à fase em que podemos descartar aliados. Ou chegamos?




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