A Esquerda e a Constituição Europeia
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A Esquerda e a Constituição Europeia


Manuel Alegre no Expresso de sábado passado:
«É bom para a Europa que o Tratado inclua a Carta dos Direitos Fundamentais. Mas tem carga a mais, nomeadamente a parte III, com cerca de 240 artigos sobre políticas concretas. Pergunto (...) se a eventual constitucionalização de preceitos que configuram um programa neo-liberal não poderá vir a pôr em causa o próprio modelo social europeu. A Europa não é só o Banco Central, mas um projecto de cidadania, um projecto democrático, político, social e cultural. E é nesta perspectiva que se deve discutir e votar o Tratado, pondo o acento tónico na coesão, em políticas de emprego e, sobretudo, na consolidação e renovação da democracia e do modelo social europeu.»
Manuel Alegre não tem razão nestas considerações. Ao contrário do que parece ele pressupor, o Tratado constitucional europeu não é mais liberal do que os actuais tratados e é seguramente mais social. De facto, o tal capítulo sobre as políticas da UE não contém nenhuma novidade, sendo uma pura transcrição do que já se encontra no actual tratado da CE e que provém na generalidade do Tratado de Roma de 1957, sendo por isso um tanto forçado falar num "programa neoliberal" anterior ao neoliberalismo dos anos 80/90. Aliás, apesar da sua manutenção sem alteraçãoes no Tratado constitucional, as referidas políticas da UE só podem tornar-se menos "neoliberais", pois devem ser agora prosseguidas à luz dos novos princípios sociais fundamentais da "constituição europeia" -- onde se contam expressamente os objectivos de «justiça social», «progresso social», «pleno emprego», «desenvolvimento sustentável», «combate contra a exclusão social», e onde se encontra uma cláusula de garantia institucional dos serviços públicos bem mais forte do que actualmente--, bem como à luz da Carta de Direitos Fundamentais, onde se inclui uma importante lista de direitos económicos, sociais e culturais, que não constam dos Tratados em vigor e que doravante passam a reger a actividade legislativa e as políticas públicas da UE enuncidas na referida Parte III.
Por conseguinte, com o novo Tratado não se perde nada quanto ao modelo social europeu, antes se ganha uma considerável mais-valia para o mesmo. A UE que resulta do novo Tratado é muito menos uma simples organização de mercado e mais um «projecto democrático, político, social e cultural» (que Manuel Alegre reclama) do que actualmente. Ele deixa maior margem para políticas sociais progressistas do que os tratados vigentes (que apesar de tudo já permitiram as políticas de um Jacques Delors).

PS -- Face a estas inequívocas (se bem que infundadas) reservas de Manuel Alegre ao Tratado constitucional da UE, ecoando as posições negativas de uma parte do PS francês, percebe-se agora por que é que a moção da sua candidatura a líder do PS era inteiramente omissa sobre o assunto...




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