Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:“Quando você vai publicar o livro?”, me pergunta no almoço uma amiga jornalista.
Ela está se referindo a “Minha Tribo: o Jornalismo e os Jornalistas”, o relato de minhas experiências em redações desde que entrei numa delas, em 1980.
“Se tudo der certo, no final do ano”, respondo. “Vou ao Brasil em junho e pretendo conversar com algumas editoras.”
“Tem que ser uma editora grande”, ela me diz.
“Não acho”, digo. “Tem que ser uma editora corajosa. Que não tenha medo de se indispor com a Globo. Não é fácil.”
Sei como raciocinam as editoras de livro convencionais. A possibilidade de que a Globo deixe de dar resenhas de seus livros por publicar o meu é algo que vai apavorá-las.
“Você tem medo de processo?”, ela me pergunta.
“Não inventei nada. Não criei um único fato. Sou um jornalista sério. Responsabilíssimo. Coisas mais picantes estão documentadas.”
“Por exemplo?”
“A demissão do Juan Ocerin entre o Natal e o Ano Novo pelo Jorge Nóbrega. O Juan foi para o Rio achando que tinha que mexer alguma coisa no planejamento do ano seguinte e acabou voltando sem emprego. Ficou perturbado.”
Juan Ocerin era o diretor-geral da editora Globo. A versão que ouvi de diretores das Organizações Globo é que Juan fora demitido por ser espanhol. Ele era espanhol desde que nascera e fazia já alguns anos diretor geral da editora. Uma versão mais crível, que me foi contada por Frederic Kachar, antigo braço direito de Juan e depois seu substituto, é que o primogênito de Roberto Irineu Marinho sugeriu ao pai que Juan fosse demitido pouco depois de ele, Juan, ter feito a tradicional apresentação de planos para o ano seguinte. Segundo a versão que ouvi, Roberto Irineu teria dito, em âmbito fechado, que não gostava daquele “espanhol” e seu filho perguntou por que não o demitiam, então. Nóbrega demitiu Juan.
Nóbrega é muito bem pago para fazer coisas como aquela. Está na lista das pessoas que mais contribuem para projetos culturais com base em leis de incentivo do governo. Deixei em itálico a contribuição porque ela deriva do dinheiro que a pessoa teria que pagar mesmo como imposto de renda. Não é uma doação propriamente dita. Não é um ato desprendido de mecenato. Nóbrega, na lista, aparece ao lado de sobrenomes conhecidos do capitalismo brasileiro, gente como as filhas de Amador Aguiar, o fundador morto do Bradesco. Seu apoio é virtualmente corporativo. Uma peça de teatro com gente da Globo foi beneficiada.
Nóbrega é uma espécie de preceptor da nova geração de Marinhos. No passado, os preceptores de pessoas ricas eram gente como Aristóteles, que orientou o jovem Alexandre, e Sêneca, que cuidou da educação de Nero antes que este enlouquecesse. Sob este prisma, o mundo não progrediu muito com o correr dos séculos.
É curioso o processo colaborativo que se cria em torno de certas coisas como meu livro. Uma amiga viu a lista dos pretensos mecenas. Chamou a atenção a presença de alguém cujo nome não esteja vinculado a uma família muito rica. Lembrou que lera algo sobre aquele desconhecido no Diário. E me remeteu então o link para que eu checasse se era o mesmo Nóbrega. Era. Mundo estranho, mundo pequeno.
O detalhe tragicômico da demissão do espanhol – a mais absurda e surreal que vi em minha carreira – é que Juan levou a Nóbrega um brinde que recebera de uma editora alemã como presente de Natal. Uma coleção de cds de música clássica. Adicionalmente, a agressão à mais elementar das regras sobre como demitir alguém foi cometida por um homem que é visto nas Organizações Globo como um mestre do RH.
“Você não acha que publicar isso pode trazer problema para você?”, ela pergunta.
“A história é muito mais cheia de detalhes do que meu espaço no livro permite publicar. São fatos, estão documentados, foram testemunhados por muita gente que está fora da Globo e não teria problema em confirmar”, digo a ela.
“Você falou no discurso de despedida do Ocerin”, ela me diz.
“Pois é. Lamento não ter gravado num vídeo. O Juan parecia um basco em guerra. Estava perturbado, transtornado. As pessoas na platéia não entenderam direito o que ele queria dizer. Mas era uma coisa solene, grave. Quase épica.”
“Terminou ali a história dele na Globo?”
“Não. Ele ainda aproveitou uma boca-livre da Quem no carnaval da Bahia. A Quem tinha montado um camarote em Salvador.”
“Não acredito. Ele ainda teve coragem de ir para lá, demitido do que jeito que foi?”, ela pergunta.
“Os bascos são corajosos”, digo.
“É verdade que a Globo queria que você assinasse um documento em que se comprometia a não falar nada dela?”
“Mais de uma vez. Tenho a cópia de um deles, o último.”
“Posso te dizer uma coisa?”, ela pergunta. Aquieço.
“Faça qualquer coisa. Mas não deixe de publicar esse livro. Não se deixe intimidar.”
Sorrio. Estou terminando meu pastel de nata de sobremesa.
“Pode ficar tranquila. Sou cria do Emir Macedo Nogueira.”
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