Por Max Altman Em editorial publicado na edição de 18 de fevereiro sob o título “Rafael Correa, ditador”, o jornal Folha de S. Paulo afirma que a possibilidade do governante equatoriano se sujeitar a críticas públicas, “ainda que veementes, mesmo se injustas, sem que o autor seja punido por expressá-las”, não existe mais no Equador.
O jornal se referia a que na quinta-feira, 16 de fevereiro, a Corte Nacional de Justiça, que é a suprema instância daquele país, confirmou por unanimidade, após recursos em outras instâncias, a sentença inicial que condenou diretores e colunista do diário El Universo a três anos de prisão e multas que somadas totalizam 40 milhões de dólares, por crime de injúria.
É preciso que se diga, a bem da verdade, que críticas veementes, amiúde injustas e caluniosas, contra Rafael Correa foram e são estampadas na imprensa equatoriana, antes, durante e depois do processo que condenou os diretores de El Universo. Basta ler editoriais, matérias de opinião e até simples reportagens publicadas diariamente em publicações locais como Diario Hoy, La Hora, El Telegrafo, El Comercio, alem do próprio El Universo, só para citar as mais importantes.
E como a Folha pretende aferir se existe democracia no Equador, basta acrescentar à ampla liberdade de imprensa o fato de Rafael Correa ter sido eleito e reeleito por destacada maioria, da atual Constituição ter sido redigida após pleito constituinte específico e ela ter passado por aprovação popular após demorada discussão.
Aos fatos. Em 6 de fevereiro de 2011, no exercício da liberdade de expressão, um dos pilares da democracia, o colunista Emílio Palácio, editor de opinião do jornal El Universo, publicou um pesadíssimo artigo sob o título “No a las mentiras”. O texto, que em nenhum momento se refere ao presidente pelo seu nome e sim pelo epíteto “Dictador”, conclui com os seguintes parágrafos:
“O Ditador deveria recordar, por último, e isto é muito importante, que com o indulto [aos acusados da tentativa de golpe contra Correa em 30 de setembro de 2010], no futuro, um novo presidente, talvez inimigo seu, poderia levá-lo diante de uma corte penal por ter ordenado fogo a vontade e sem prévio aviso contra um hospital cheio de civis e gente inocente". E “Os crimes de lesa humanidade, que não esqueça, não prescrevem.”
Sentindo-se injuriado e caluniado, Correa, incontinente, exigiu uma pronta e cabal retratação. O jornal a tanto se recusou, seguindo em sua linha de ataque, desta vez acusando-o de cercear a liberdade de imprensa.
Recorde-se que naquele mesmo artigo, o Sr. Palacio escrevera “se cometi algum delito [ele estava sendo acusado como um dos instigadores da tentativa de golpe de Estado] exijo que se prove; do contrário não espero nenhum perdão judicial e sim as devidas desculpas.” Era exatamente o que o presidente Correa estava pretendendo.
Em 21 de março, no exercício em defesa de sua honra, outro pilar da democracia, tão importante quanto a liberdade de expressão, ingressou na justiça. Não mandou esbirros empastelar o jornal como já ocorrera na própria história de países de nossa região. Democraticamente, em respeito a uma das instituições fundamentais da democracia, passou a aguardar a decisão judicial.
Em 19 de julho, após meses de entreveros e percebendo, diante da tenacidade de Correa em defesa de seus direitos, que o clima não lhes era favorável, a direção de El Universo envia em 19 de julho uma carta aberta ao presidente: “O Senhor vem exigindo que retifiquemos dito artigo, advertindo-nos que “se a empresa quebra, será porque El Universo não se retratou”.
Não obstante, sendo para nós impossível retificar afirmações que não foram nossas (sic) – e sem poder antecipar que a retificação que façamos coincida com seu pensamento – lhe oferecemos que nos faça chegar o texto da retificação exigida para dispor sua reprodução integral em El Universo, no dia e espaço que o senhor assinalar.”
Rafael Correa considerou extemporânea a retificação proposta pelo periódico. Disse que se devia fazê-lo no dia seguinte das acusações, como reiteradamente havia pedido. Agora preferia esperar a decisão da justiça.
Os diretores do El Universo se defenderam no processo alegando que a ação de Correa tinha por objeto silenciar toda crítica, restringindo o direito às liberdades de opinião e expressão. Arrazoaram mais que o juízo violava o ordenamento jurídico e, principalmente, alguns dos principais direitos fundamentais reconhecidos internacionalmente. E mais, não se podia abrir um processo penal com respeito a juízos de valor emitidos ao amparo das liberdades de pensamento, de opinião e de expressão e que as injúrias a uma autoridade pública, relacionadas com o desempenho de seu cargo, não constituem delitos.
O tribunal argumentou que ao ler o artigo “Não às mentiras” desde seu início, se vai preparando e induzindo o leitor contra o “Ditador” com uma série de injúrias menores que buscam incutir na mente do leitor um marcado desafeto contra o senhor Rafael Correa. E chega ao seu zênite com o final em que o acusa de ser autor de delito de lesa humanidade. Para que exista injúria é necessária a existência de “animus injuriandi”, quer dizer, a intenção ou ânimo de injuriar, de ofender, de desonrar ou desacreditar a vítima.
O articulista e o jornal sabiam que ditas expressões causariam um dano irreparável à fama e o bom nome do presidente por tratar-se de expressões que o acusam de cometimento de um delito grave, talvez o pior que exista no mundo, o de lesa humanidade, como o de “ter ordenado fogo à vontade num hospital cheio de civis”. A liberdade de expressão tem um limite. Para aquelas pessoas que não o tenham claro, se chama injúria e é um delito que como tal se julga pela via penal.
No âmbito internacional o direito à honra tem seus antecedentes positivos na Declaração Americana de Direitos Humanos e Deveres do Homem que dispõe claramente em seu art. 5º: “Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos a sua honra e a receber proteção dela.” Também na Comissão Americana sobre Direitos Humanos se estabelece a proteção da honra e da dignidade em seu art. 11 que dispõe: “Toda pessoa tem direito ao respeito a sua honra, ninguém pode ser objeto de ataques legais a sua honra ou reputação, toda pessoa tem direito à proteção da lei contra essas ingerências ou esses ataques”.
A Folha, assim como os demais veículos de comunicação, televisivos, radiofônicos ou escritos, têm o direito inalienável de expressar livremente sua opinião. Porém, conscientes sempre que o jornalismo tem o dever de buscar a verdade, a objetividade e o equilíbrio. Podem, como o fazem, defender seus interesses de classe e sua ideologia. Podem, mas não devem, se substituir aos partidos políticos que respondem aos seus princípios, definindo sua agenda política. Costumam pôr-se, mas não podem, no lugar da polícia, do ministério público e da justiça, apontando, indiciando, julgando e condenando, a um só tempo e a seu bel-prazer, com ou sem provas, os desafetos e inimigos políticos.
Mas se o exemplo dado ao mundo por Rafael Correa for seguido, não ficarão sem resposta.
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