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A lição da água - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 19/10
Há quem diga que a abundância nem sempre constitui uma bênção. Talvez tenha razão. A fartura sem limites deseduca. Impede que a pessoa viva a experiência da escassez e, com isso, supõe que tudo são flores. Com os óculos do país de Oz, não percebe a mudança de direção dos ventos. Repete comportamento alienado que agrava o presente e compromete o futuro. A água serve de exemplo.
Dois fatores contribuíram para criar no Brasil a cultura do desperdício. Um deles: abrigar 12% da água doce superficial disponível no planeta. O outro: a inapetência ao planejamento, comum aos governantes. O resultado da indesejável aliança é a crise hídrica que afeta importantes unidades da Federação. Entre elas, São Paulo, Minas, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.
Apesar do sinal vermelho, as autoridades negligenciaram a gravidade do problema e mantiveram a população à margem da tragédia. Nenhuma medida eficaz apta a chamar a atenção para a urgência de mudar hábitos teve vez no discurso ou nas estratégias governamentais. As práticas de esbanjamento continuam com a naturalidade de quem anda para a frente ou do artilheiro que faz o gol de pênalti.
É o caso de banhos intermináveis; mangueiras que lavam áreas, calçadas e carros com generosidade; torneiras que pingam incessantemente ou são mantidas abertas enquanto se lavam louças ou se escovam os dentes; vazamentos que se perpetuam; descargas que jorram jatos nada econômicos; negligência com a possibilidade de reúso; máquinas domésticas ligadas sem antes completar a capacidade.
A crise - mais visível em São Paulo por ser o mais importante centro econômico nacional - não poupa nem a capital da República, urbe planejada que mal chegou ao meio século de vida. Longa estiagem agravou o quadro. Mas não pode responder pelo drama que afeta milhares de famílias. Faltam medidas sérias que integrem a política hídrica às demais políticas públicas. Agricultura, indústria, comércio, saúde e educação têm vínculo indissociável com a água.
Outras ações se impõem. Passou da hora de tratar o saneamento básico com a seriedade que a questão exige. Os discursos que se sucedem eleição após eleição comprovam que o diagnóstico pede solução. Urge pôr palavras em ação. Não só. A população precisa ser conscientizada do papel relevante que desempenha no processo. Ele passa não só pelo uso racional do insumo mas também pela manutenção dos mananciais.
Escolas, igrejas, clubes, condomínios têm de se engajar em campanhas educativas. Jornais, rádios, televisão, mídias sociais precisam se comprometer com a mudança de postura do governo e dos cidadãos. Censos do IBGE traçam o perfil demográfico regional, nacional e mundial. Não se admite, assim, a desculpa de culpar São Pedro pela sede que se espalha Brasil afora. O inferno não mora no além. Mora em palácios que podem ter o inquilino renovado a cada quatro anos.
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