Um sistema tributário progressivo, em que os impostos crescem proporcionalmente ao aumento da renda dos contribuintes, é considerado como socialmente mais justo por atenuar as desigualdades.
No entanto, segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, das Nações Unidas), o efeito do sistema tributário na redução da desigualdade na América Latina (e no Brasil) ainda é muito limitado, por causa do grande papel desempenhado pelos tributos indiretos. No caso do Brasil, eles compõem 49,73% da carga tributária total.
Diversos estudos mostram que o tributo que melhor possibilita a aplicação da progressividade é o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). O tema foi analisado no Brasil Debate também por Reginaldo Moraes (Imposto de Renda e ajuste. Está faltando algo nessa conversa) e Róber Iturriet Ávila (Por um ajuste fiscal via reestruturação tributária).
O estudo de Castro (2014) mostra que, enquanto a arrecadação de IRPF representa 2,7% do PIB brasileiro, a média dos países que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 8,5%, alcançando até 24,2% na Dinamarca. Já quanto à arrecadação tributária total, enquanto no Brasil o IRPF representa 7,6%, a média da OCDE é de 24,1%, chegando a 50,7% na Dinamarca.
Além desta questão, o estudo de Castro aponta outras três distorções do nosso IRPF: i) Valor das alíquotas (abordado em E se o ajuste fiscal ocorresse com aumento do IR): o estudo mostra que existiriam outras possibilidades de tornar a arrecadação de tributos mais progressiva, por exemplo, com o aumento da alíquota máxima de imposto de renda; ii) Isenção de lucros e dividendos de IR (abordado em Isenção de IR para lucros e dividendos e a pejotização no Brasil): o Brasil arrecada pouco na base de incidência renda e lucros, mesmo em relação aos países da América Latina. A não tributação de lucros e dividendos é uma causa significativa da erosão da base tributável da pessoa física. Esse efeito também tem impactos na “pejotização” do mercado de trabalho brasileiro.
A terceira questão que queremos apontar são as deduções por despesas médicas, com dependentes e instrução. A tabela abaixo mostra que, segundo dados da IRPF, retirados de Castro (2014), a quantia de deduções com despesas médicas (DM) e despesas com dependentes e instrução (DI) do IR para 2012 foi de, respectivamente, R$ 43 bi e R$ 51 bi.
Esse mecanismo de deduções tem importantes implicações na relação público/privado no provimento a esses direitos, com o Estado subsidiando parte dos gastos com o setor privado, especialmente das camadas mais ricas da sociedade: dados da Receita Federal (2013) mostram que R$110 bilhões em deduções foram declarados em deduções em geral pelos pertencentes à última alíquota de renda, do total de aproximadamente R$ 269 bilhões declarados por todos os cidadãos.
No caso das deduções com despesas médicas, estudo de Carlos Ocké-Reis calcula gastos de renúncia fiscal do IRPF e IRPJ somente com planos de saúde e mostra que R$18,3 bilhões em 2012 (equivalente a 23% do orçamento do Ministério da Saúde) deixaram de ser arrecadados naquele ano devido a essas deduções.
Em artigo publicado no Brasil Debate, Rafael da Silva Barbosa (Desoneração tributária, renúncia fiscal e saúde pública) mostra como essa relação entre o financiamento público e privado através do IRPF “pode compor os condicionantes básicos para corrosão de uma já fragilizada estrutura financeira do SUS”.
Evasão, deduções e isençõesA queda da desigualdade no Brasil e na América Latina ocorreu por melhoria das rendas do trabalho nos últimos anos. Analistas têm apontado que a continuidade desse processo atinge alguns limites, como o da questão tributária, tanto pelo uso restrito do IRPF como mecanismo de distribuição de renda, quanto em seu viés de subsidiar, por exemplo, o gasto privado das classes mais altas da sociedade em educação e saúde.
O enfrentamento das desigualdades brasileiras passa, portanto, também por discutir o sistema tributário do país.