Geral
A mídia e a cidade conflagrada
Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os jornais de sexta-feira (7/6) descrevem, com imagens fortes, as cenas de violência ocorridas na véspera em São Paulo, onde manifestantes contrários ao aumento do preço das passagens de ônibus provocaram depredações e causaram grandes congestionamentos na região central da cidade.
“Caos, fogo e depredação”, destaca o Estado de S.Paulo. “Confronto e vandalismo”, registra a Folha. OGlobo informa que, além da capital paulista, também houve protestos no Rio, em Natal e em Goiânia pelo mesmo motivo, organizados pelo Movimento Passe Livre.
Como sempre, há divergências quanto ao número de participantes: os porta-vozes do movimento contaram 3 mil pessoas, a Polícia Militar calculou a multidão em 2 mil pessoas no início da passeata e a Guarda Civil Metropolitana afirma que a aglomeração não passou de mil indivíduos. As imagens exibidas pela televisão e expostas nas redes sociais mostravam que, na Avenida Paulista, o grupo estava reduzido a cinco ou seis centenas de manifestantes. No Rio, segundo o Globo, duzentas pessoas caminharam da igreja da Candelária até a estação Central do Brasil, provocando no caminho interrupções do trânsito e entrando em confronto com a polícia.
As manifestações foram convocadas pelas redes sociais digitais, que até na manhã de sexta-feira ainda exibiam comentários e imagens, com debates exaltados.
O canal informativo GloboNews acompanhou ao vivo grande parte da movimentação em São Paulo, documentando a caminhada pela Avenida Paulista, onde alguns dos participantes destruíram uma cabine da Polícia Militar, depredaram uma banca de jornais e deixaram sacos de lixo em chamas ao longo da pista.
As tomadas aéreas permitiam observar como um número relativamente reduzido de pessoas é capaz de paralisar as principais vias da maior cidade do país e agravar ainda mais a difícil situação do trânsito no momento da volta para casa.
Os jornais mostram estação do metrô com vidros quebrados, registram o pânico de transeuntes que tentaram se abrigar dentro de um shopping center e informam que a causa de tudo foi o aumento de 20 centavos na tarifa. Mas não discutem a questão central: o sistema de transporte público.
Catracas livres
Curiosamente, os jornais não trazem nas edições de sexta-feira a fartura de declarações de manifestantes que geralmente ilustram as reportagens sobre eventos que conturbam a cidade. O movimento é definido genericamente como uma iniciativa de universitários e estudantes secundaristas, embora tenha sido identificado entre eles pelo menos um sindicalista, presidente do Sindicato dos Metroviários.
Nas redes sociais, o movimento Passe Livre, que defende o transporte coletivo grátis, ensina como enfrentar a polícia e como se prevenir contra o efeito do gás lacrimogêneo e do gás pimenta. Interessante notar a preocupação dos organizadores em definir seu perfil ideológico. Em sua página no Facebook, fazem questão de afirmar que o material “não foi feito por nenhum coletivo burguês-estudantil e sim por anarquistas insurrecionários”.
Pela rede social pode-se acompanhar os relatos de manifestantes, provavelmente feitos de seussmartphones, ao mesmo tempo em que parte dos usuários critica os atos de vandalismo, enquanto outros lamentam ter que trabalhar ou estudar e não poder participar do movimento. A página também contém informações sobre o sistema de transporte de São Paulo, mostrando tabelas de subsídios pagos pela Prefeitura a um consórcio de ônibus que é campeão de multas e irregularidades.
O material contido nas redes sociais digitais é mais extenso e mais diversificado do que as reportagens dos jornais, embora, por motivos óbvios, menos organizado. Por ali se pode observar que a causa é considerada justa pela maioria das pessoas que manifestam suas opiniões, mas há também uma condenação geral aos atos de vandalismo.
O Passe Livre, que tem grupos organizados em várias cidades do país, se apresenta como um “movimento social autônomo, horizontal, independente e apartidário que luta por um transporte público gratuito e de qualidade, sem catracas e sem tarifa”.
Os jornais poderiam ajudar o leitor a formar uma opinião sobre essa proposta, que já foi tentada como política oficial quando Luiza Erundina era prefeita de São Paulo. Na ocasião, a imprensa apoiou o lobby das empresas de ônibus, e muitas perguntas ficaram sem resposta.
Quanto custa subsidiar as frotas de empresas privadas? Quanto custaria liberar as passagens? Existem experiências como essa em outras cidades? Qual seria o efeito do transporte gratuito sobre a economia?
Algumas planilhas poderiam ajudar os cidadãos a entender o que há por trás do custo do transporte público.
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