A mídia é hegemonizada pelo agronegócio
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A mídia é hegemonizada pelo agronegócio


Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:

Em atividade que marcou o lançamento da nova página do MST, João Pedro Stedile apontou a mídia brasileira como um dos agentes responsáveis por enterrar o projeto popular de reforma agrária no país. “A imprensa é hegemonizada pelo agronegócio”, afirmou o dirigente durante o bate papo com blogueiros e ativistas sociais, ocorrido nesta quarta-feira (21), na sede do Barão de Itararé, em São Paulo.

O evento contou com 70 participantes, além de 1200 espectadores que seguiram a transmissão online feita pela Pós-TV. Dentre os blogueiros e jornalistas convidados, marcaram presença Paulo Henrique Amorim (Conversa Afiada), Rodrigo Vianna (O Escrevinhador), Laura Capriglione (Ponte), Altamiro Borges (Barão de Itararé), Conceição Oliveira (Maria Fro), Nilton Viana (Brasil de Fato), Paulo Salvador (Rede Brasil Atual), José Reinaldo (Portal Vermelho), Antonio Martins (Outras Palavras), entre outros.

Confira, a seguir, os diversos tópicos abordados por Stedile ao longo da conversa.

Reforma agrária

O tema da reforma agrária mudou de sentido. No senso comum, quando falamos em reforma agrária, vem à cabeça um processo de repartir a terra - e é isso mesmo. O conceito surgiu baseado no paradigma de que, por ser um bem da natureza, a terra deve ser de quem nela trabalha, postulação feita na revolução mexicana, por Emiliano Zapata. Foi o marco que levou governos a pensarem programas de reforma agrária, que só se viabilizaram pois eram combinados com projetos de desenvolvimento nacional. A própria burguesia industrial nacionalista tinha interesse na reforma agrária, pois ao transformar camponeses sem terra em agricultores, produtores de bem, seriam também consumidores dos bens da industria. Havia um pacto entre camponeses e burguesia.

Todas as reformas agrárias feitas no sec XX levaram a um enorme processo de desenvolvimento econômico e industrial. No Brasil, porém, desde Celso Furtado em 1964, todos os intentos de reforma agrária foram derrotados. Com Lula, havia esperança, pois ele ia a nossas reuniões, pegava uma caneta velha e falava que quando fosse presidente, a primeira coisa que assinaria seria a reforma agrária. À época, dávamos risada. Quando ele ganhou a presidência, não saiu a reforma agrária, mas muito pelo fato de o cenário da reforma agrária ter mudado drasticamente. A agricultura do Brasil e do mundo está sendo dominada por forças mais poderosas que o latifúndio: empresas transnacionais que dominam o comércio e a produção agrícola internacional, em parceria com os bancos que as financiam. Esse modelo se chama agronegócio.

A reforma agrária não sair não é pura culpa do governo que não quer ou do MST, mas porque as forças que a impedem são muito mais poderosas. É uma mudança de paradigma: lutar por reforma agrária não é mais apenas um programa camponês. É lutar pelo que será feito no campo: produzir alimentos sadios e garantir a soberania alimentar do país, ou o matar a biodiversidade e envenenar os alimentos, que é o modelo do agronegócio. Um projeto popular de reforma agrária, hoje, beneficia a própria população urbana ao descentralizar a agro-indústria, gerar emprego e substituir o veneno pela agroecologia.

Papel da mídia

Nem o governo e nem a academia tem uma elaboração clara do tipo de reforma agrária que precisamos. Muitos enxergam apenas a ideia antiga – e a enterram, enterrando também as necessidades de mudança. A imprensa, hegemonizada pelos interesses do agronegócio, ajuda a enterrar o projeto de uma reforma agrária popular, defendida pelo MST.

A própria crise hídrica em São Paulo ilustra essa parceria. São Paulo sofre o efeito do monocultivo massivo de cana de açúcar no estado, que afetao equilíbrio climática. São temas ocultados pela mídia. Daí a importância de fazermos o contraponto na internet e nas ferramentas digitais.

A verdade é que houve uma despolitização na sociedade e o governo, que vivia de conciliação, ficou com medo de investir na disputa de ideias com as massas. O projeto da TV Brasil, de uma TV pública, deveria ser do tamanho da Rede Globo. Mas o governo teve medo de politizar as massas por meio da disputa de ideias e agora paga um preço caro.

Internet

Como fazer comunicação com as novas ferramentas ainda é um desafio, mas que se faz essencial na luta política. O segundo turno da eleição é prova: era uma disputa ideológica que só foi plasmada no segundo turno, através das redes sociais. Luta que se trava na internet ajuda a esclarecer e jogar luz sobre a luta de classes. É a tecnologia a serviço da classe trabalhadora.

Nossa ideia é ter uma página mais dinâmica, mais atual, para que as informações da luta de classes no campo chegue de uma forma até mais prazerosa para seu público. Sempre fomos bons de discurso, mas ruins de comunicação de massa. Ainda estamos, nós da esquerda, muito presos aos tempos idos de tribunos.

Katia Abreu e Patrus Ananias

Não devia nem perder tempo em falar de Katia Abreu [nomeada ministra da Agricultura], um dos erros que Dilma Rousseff cometeu. Ela [Katia Abreu] devia se envergonhar do fato de que, em Tocantins, seu estado, 623 mil famílias só comem por causa do Bolsa Família. Mas claro que ela não fala disso, pois para resolver o problema, só com reforma agrária, e aí talvez tivéssemos que iniciar pelas fazendas de sua família.

Já Patrus Ananias [nomeado ministro do Desenvolvimento Agrário] é meu amigo pessoal. Estamos em contato com ele. Ele sabe que defendemos o programa “Bolsa Árvore”, para reflorestar o país com o trabalho dos camponeses. Programa, inclusive, que acabaria com esse calor massacrante (risos)

Vitórias da agricultura familiar

Cinco anos atrás, fui em um assentamento no interior do Piauí e a merenda escolar do assentamento vinha de Bauru (SP). A merenda paulista era bolacha da Nestle. Uma das vitórias que tivemos foi o Programa Nacional de Alimentação Escolar: por lei, pelo menos 30% de toda a merenda escolar tem que vir da agricultura familiar.

Gilberto Kassab, quando prefeito, dizia que “em SP não havia agricultura” e seguiu comprando da Nestle ao invés de fomentar a agricultura familiar. Fernando Haddad, por sua vez, que foi um dos construtores do PNAE, aderiu e fez um acordo por arroz orgânico e suco de uva orgânico. Hoje, as crianças de São Paulo não comem mais arroz com veneno da Bayer, mas sim arroz orgânico da agricultura familiar.

Temos que ter claro que, depois que conquistamos a terra e temos o assentamento, a luta continua. A disputa contra o agronegócio segue dentro do assentamento. Mesmo o camponês conquistando terra às custas de uma árdua batalha, o agronegócio tenta cooptá-lo. Por isso nossa ênfase na agroecologia, na importância de alimentos sadios, sem agrotóxico.

A produção dos assentamentos é direcionada para o que chamamos de mercado institucional. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) garante que vai comprar. O camponês não é comerciante, é camponês. A Conab foi um programa conquistado junto ao governo federal que garante a compra de 297 tipos diferentes de alimentos produzidos em assentamentos. Nos grandes supermercados, são meia dúzia de alimentos empacotados pelas transnacionais. Nossa briga com a Dilma é para massificar essa ferramenta.

Papa Francisco

A eleição do novo papa é fruto de uma crise evidente na Igreja católica. Tivemos sorte de Bergoglio ser um personagem que viveu intensamente uma sociedade politizada como a Argentina. Dizem que, entre os amigos, ele mesmo se declara peronista. É um personagem que extrapola o meio eclesial e que tem uma ligação muito grande com os trabalhadores urbanos de Buenos Aires.

Por amigos comuns, se produziu, em Roma, no ano passado, uma reunião da qual saiu a ideia de construir um Encontro Mundial de Movimentos Populares. Independente de religião, credo, etnia, partido politico. A ideia era refletir sobre os problemas da humanidade. O encontro contou com 200 participantes, sendo 150 de movimentos populares e 50 escolhidas pelo Vaticano. Foram três dias de debate sobre os problemas da humanidade em pleno Vaticano, seguindo a metodologia do ver, julgar e agir. No primeiro dia, análise de conjuntura. No segundo dia, avaliação da conjuntura - e neste dia o Papa Francisco participou de toda a discussão. A bandeira de luta retirada do encontro foi que não deve haver, no mundo, nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra e nenhum trabalhador sem direitos.

Pela primeira vez, Evo Morales esteve presente no Vaticano. O presidente boliviano [nomeado autoridade máxima dos povos indígenas quechua e aymara] cumprimentou o papa, fez sua fala e foi convidado, em público, a jantar em companhia de Francisco. É, sem dúvidas, uma figura sui generis para o Vaticano. Imagine, um papa que se recusa a ter a mão beijada pelos fieis.

Conjuntura política

A conjuntura política do Brasil está cada vez mais complexa e anuncia necessidade de mudanças. Em rápidas pinceladas, compartilho a leitura do MST e dos movimentos sociais em gerais: Lula em oito anos e Dilma em mais dois deram certo com o programa neodesenvolvimentista, pois estava baseado em uma economia crescente, além da recuperação do papel do Estado e da indústria, que potencializou a economia e gerou a retomada do emprego e a redistribuição de renda. Por isso teve estabilidade eleitoral, inclusive.

Esse programa, no entanto, se esgotou. A economia depende do exterior e as forças do capital internacional agiram sobre a nossa economia. Os capitalistas daqui, ao invés de investirem na indústria, investiram no rentismo, deixando o governo sozinho nos investimentos produtivos. Esse é o complicado econômico.
Por outro lado, há um complicador: social: embora tenha aumentado o emprego e a renda familiar, na vida social e na perversidade do capitalismo, as cidades viraram um inferno. O transporte público é péssimo. A classe trabalhadora paga para trabalhar. É possível, sim, tarifa zero! É possível, sim, transporte público e gratuito para quem estuda e para quem trabalha.

Mais que isso, a democracia brasileira foi sequestrada. 10 empresas financiaram 70% dos parlamentares. De que adianta votar se quem elege é quem financia? Reforma política é urgente para restaurar a democracia - e estamos falando da democracia burguesa!

Em suma, o governo está em uma encruzilhada e precisa guinar à esquerda, mas até agora não deu sinais concretos de que o fará.




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