A mídia e o fim da política
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A mídia e o fim da política


Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

O olhar sobre o cotidiano da imprensa no Brasil, por meio da qual o cidadão pode acompanhar o desempenho de suas representações institucionais, tende a esconder uma realidade espantosa: a extinção da política. Esse fenômeno alcança outros campos que compõem tradicionalmente o chamado espaço público, como a cultura, a economia, a religião e outras formas pelas quais os indivíduos se interligam em comunidades no mundo contemporâneo.

O ambiente midiático nacional se oferece como um imenso laboratório para teses sobre a relação entre a sociedade e seus símbolos. Os perfis ideológicos são substituídos pelas pesquisas de opinião sobre cada tema da agenda pública.

Uma das hipóteses que podem ser facilmente constatadas é a de que a realidade foi substituída por simulacros, no sentido que o filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007) deu ao termo: praticamente tudo que compõe o noticiário e as opiniões veiculadas pela mídia tradicional são cópias de elementos que não existem mais na realidade.

A política, por exemplo, desapareceu completamente de seu habitat natural – os corredores do Congresso Nacional, as sedes de entidades republicanas e suas projeções no território comunicacional continuam lá, mas lá já não se faz política. Em seu lugar se desenvolve um jogo com características de um comércio que simula a realidade das negociações de poder. O Estado, cujo controle representava o objeto final desse jogo, passou a ser um meio pelo qual os protagonistas buscam um novo objetivo: o de ganhar o poder de permanecer no poder.

Nesse universo-simulacro, também a cultura, a religião, a economia, assim como a sexualidade, a individualidade e as autonomias, são substituídas por símbolos e signos que formam uma realidade paralela, distanciando cada vez mais o ser humano da vida real. Tudo se transformou num programa de “realidade virtual”, e o que a mídia nos apresenta é esse conjunto que se tenta passar por real.

O tema abrange toda a complexidade da vida cotidiana, por isso temos que restringir nossa observação, por enquanto, ao campo da política. Já analisamos simulacros da economia e poderemos observar também simulacros da cultura, da religião e de outros aspectos da vida comum.

A dança das siglas

Os partidos jogam para a imprensa, que faz o agenciamento da opinião pública. Eventualmente, uma ou outra dessas agremiações, criadas sem o respaldo de um programa capaz de sensibilizar grandes contingentes de eleitores, perde o volume de apoios necessário para se manter no jogo. O que fazem seus controladores? Criam nova sigla, adaptando-se ao que lhes parece ser um nome com mais potencial para arregimentar agentes capazes de conquistar correligionários.

No fundo, o sistema funciona como um grande esquema de pirâmide, que periodicamente precisa quebrar aqui e ali, deixando muitos protagonistas sem teto. Os mais espertos se movem rapidamente para a casa mais próxima, de preferência uma que possua em sua sigla a letra que combina com seus posicionamentos anteriores.

A legislação favorece escancaradamente a criação de partidos por quem já está no jogo, e dificulta o surgimento de agremiações com origem mais autêntica na própria sociedade. O caso da Rede Sustentabilidade, projeto da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva, é típico: formulado no seio do movimento ambientalista, que evoluiu para um conceito mais amplo de sistema que inclui a busca da sustentabilidade econômica e social, além da ambiental, o sonho de Marina Silva foi contaminado pelo pragmatismo dos partidos que participam do simulacro de política. O que se viu foi uma candidata idealista emaranhada em contradições e apanhada em posicionamentos conservadores que decepcionaram muitos de seus apoiadores.

E o que a imprensa tem com isso?

O papel da mídia tradicional é fundamental nesse processo, porque é no ecossistema midiático que se constrói esse simulacro e é a imprensa que conduz o jogo. Esse processo evolui na medida em que corrompe as bases do sistema representativo, até o ponto em que a mídia substitui a sociedade e os partidos passam a ser tributários do sistema da comunicação.

Ao contrário do que nos faz crer, o sistema da imprensa não interpreta a realidade – ele cria um simulacro, que se torna verossímil porque seus signos fazem sentido. Quem sonha em representar a sociedade – ou uma parcela significativa dela – precisa ter coragem de romper essa dependência, comunicar-se diretamente com o público e esquecer a imprensa.




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