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Jeremy Corbyn |
Por Vicenç Navarro, no site Outras Palavras:
Este artigo descreve a rebelião das bases do Partido Trabalhista frente às políticas públicas socioliberais desenvolvidas pela direção do partido, iniciadas por Tony Blair, que estabeleceram a Terceira Via e se estenderam amplamente por muitos partidos social-democratas na Europa Ocidental, inclusive na Espanha.
Ainda que você, leitor, não tenha lido na imprensa ou visto nas maiores cadeias de televisão ou ouvido nas rádios de maior audiência, o fato é que estamos assistindo a mudanças muito substanciais nas esquerdas de vários países. São resultado de um protesto generalizado, diante das políticas que caracterizaram grande parte destes partidos de esquerda, ao chegarem ao poder nesses países. Tais políticas, no essencial, não foram diferentes das que as direitas aplicavam em seus governos, apresentando-as como as únicas possíveis.
Um caso de destaque é o do Partido Trabalhista britânico que, em sua transformação (com a “Terceira Via”) para o socialiberalismo, tem sido cada vez mais visto mais como um partido socioliberal, isto é, um partido liberal (ou neoliberal, em outras palavras), que substituiu o universalismo (quer dizer, a extensão a toda a população dos direitos civis e trabalhistas) pelo assistencialismo, abandonando seu compromisso com as medidas redistributivas.
Essa mudança para a “Terceira Via” significou um enorme custo eleitoral. Todas as eleições que se seguiram à primeira vitória eleitoral sob a “nova” orientação traduziram-se em perdas consideráveis de apoio eleitoral (quatro milhões de votos nas eleições seguintes), que não resultaram na perda das eleições devido a um sistema eleitoral deformado, além de perdas ainda maiores do Partido Conservador, em consequência das lutas internas resultantes da rebelião de suas bases diante da aposta não-europeia de seus dirigentes.
Um dos maiores mitos reproduzidos pelos grandes meios de comunicação diz que a “Terceira Via” foi altamente popular, razão pela qual o ex-primeiro ministro britânico, Tony Blair, teria sido reeleito três vezes. Os dados, contudo, apresentam o contrário (ver meu artigo “Tony Blair e o declínio da Terceira Via”). A Terceira Via não é nem mais nem menos que a conversão dos partidos social-democratas ao liberalismo, e foi um desastre eleitoral, razão pela qual a maioria dos partidos social-democratas estão hoje fora do governo na União Europeia.
Diante dessa situação, havia duas possibilidades. Uma era o declínio de tais partidos, que vem ocorrendo não só na Espanha e no Reino Unido mas também na França, Alemanha, Itália, Grécia e Portugal, entre outros países. A outra alternativa era a rebelião das bases, o que está ocorrendo hoje no Reino Unido. Essas bases já estão mais que fartas do blairismo e de seus sucessores, os irmãos Milliband. Isso explica o surgimento de um candidato cujas propostas são tipicamente social-democratas, referidas pelos blairistas britânicos e espanhóis como “social-democratas tradicionais” (que é uma maneira amável de dizer “antiquados”).
Candidato à liderança do Partido Trabalhista [em eleições, diretas, que ocorrerão este sábado] o deputado Jeremy Corbyn foi uma das vozes mais críticas à Terceira Via. Até há pouco, o aparato do Partido Trabalhista acreditava que sua candidatura seria irrelevante, meramente testemunhal, sem chance de alcançar o menor apoio popular. No entanto, Corbyn converteu-se no candidato com maior popularidade, muito acima dos adversários “mais respeitáveis”, “mais modernos” e “mais centristas” - que ficaram rapidamente para trás.
O que caracteriza o candidato Corbyn é sua ruptura radical com as políticas de cortes de gasto público social, as privatizações e as (contra-)reformas trabalhistas que afetaram muito negativamente o bem-estar e os direitos da classe trabalhadora, além de outros setores populares. É alguém que disse: Já basta!, e quer recuperar o sentido de políticas comprometidas com o bem-estar das classes populares. Quer anular as privatizações do transporte ferroviário, que foram um desastre, e nacionalizar parte da geração de energia no país.
A mobilização a seu favor foi impressionante. Em 15 de junho, ele se apresentou como candidato às eleições para secretário geral do Partido Trabalhista. O impacto foi quase imediato. O número de militantes (expressão quase desaparecida da cultura do Partido Trabalhista) aumentou exponencialmente. Em 5 de julho, Corbyn conseguiu o apoio do maior sindicato britânico, o Unite, e em 15 de julho apareceu muito à frente dos candidatos considerados “os mais respeitáveis” pelo establishment político-midiático britânico, na primeira pesquisa sobre as eleições a secretário geral.
Como era de se esperar, o establishment entrou em pânico. E assim como ocorreu na Espanha quando do surgimento do Podemos, a hostilidade da mídia alcançou níveis hiperbólicos, nunca antes vistos na bem-humorada cultura política britânica. Ocorre que hostilidade mobilizou ainda mais a população já enojada com a casta político-midiática. Isso levou a militância do Partido Trabalhista a crescer enormemente, de tal forma que um terço do total de militantes filiou-se de 15 de junho para cá.
Uma pesquisa (YouGov Poll) tentou averiguar a razão desse fenômeno. Mostrou que os ingleses estão ansiosos e desejosas de ter “dirigentes políticos que estejam próximos das pessoas comuns e sejam sensíveis a seus problemas e preocupações”. Rejeitam figuras aprovadas pelo establishment político-midiático — identificado, corretamente, como responsável por seus males. Nenhum dos candidatos do Partido Trabalhista aprovados e promovidos pela grande mídia britânica teve apoio nessas pesquisas. Ao contrário: o candidato mais desaprovado por essa mídia é, de longe, o mais popular de todos. Essa situação vai se repetindo em vários partidos social-democratas e/ou progressistas, fato que mostra o desejo de mudança de suas bases.
* Tradução de Inês Castilho.
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