Por Umberto Martins, no sítio Vermelho:O novo governo grego, encabeçado pelo banqueiro Lucas Papademos, ex-vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), foi apresentado ao mundo pelo ex-primeiro-ministro Papandreou e por comentaristas da mídia hegemônica como um “governo de união nacional” destinado a resgatar o país do caos. Mas esta caracterização não traduz a realidade.
A bem da verdade, a coalizão construída para levar a cabo o projeto reacionário imposto de forma autoritária pela cúpula da União Europeia à nação helênica deve ser definida como uma espécie de união nacional do capital financeiro, do qual Papademos é um autêntico representante, contra o trabalho.
Extrema direitaA base de apoio aos pacotes ditados pela troica (FMI, BCE e UE) foi ampliada e, a menos que ocorram defecções, o novo governo deve contar com o voto de pelo menos 238 dos 300 deputados que compõem o Parlamento. Isto foi não significa necessariamente que doravante as coisas ficarão mais fáceis e pacíficas para a classe dominante local, que atrelou seu destino a uma União Europeia dos monopólios, neoliberal, hostil a soberanias nacionais e sob o tacão da Alemanha.
O novo governo, fruto de uma nova tática da UE (que ensaia solução parecida para a Itália) já nasce bem mais reacionário que o anterior ao incorporar o apoio do partido direitista Nova Democracia, que perdeu as últimas eleições gerais, e incluir, pela primeira vez na história do país, um representante da extrema-direita, Makis Voridis (do partido Laos), premiado com o ministério de Infraestruturas, transportes e redes de comunicação.
Interesses da bancaA missão do gabinete de “união nacional” não é salvar a Grécia, como apregoam seus defensores, mas preservar os interesses dos banqueiros e impor o pacote da “troica”, que significa sacrifícios adicionais para a classe trabalhadora e a maioria da nação. Os cortes, de gastos públicos, salários e emprego, tendem a aprofundar a recessão, o desemprego e o sofrimento do povo.
É bom lembrar que a cúpula da União Europeia, capitaneada por Merkel e Sarkozy, não só rejeitou a ideia de um referendo para o plano de “austeridade” como forçou seu proponente, o ex-ministro Papandreou, a voltar atrás. É evidente o caráter antidemocrático das medidas, que muito provavelmente não resistiriam a uma consulta popular.
A conduta dos líderes europeus em relação ao tema denuncia o conteúdo de classe do projeto, que reflete apenas os interesses da oligarquia financeira, a cada dia mais divorciados e em confronto com os direitos do povo.
Tragédia socialA Grécia caminha para o quarto ano consecutivo de recessão, a taxa de desemprego, que era de 7,5% em junho de 2008, subiu a 17,6% em julho deste ano, segundo a Eurostat. Entre os jovens, com idade de 15 a 24 anos, chega a 45%. É uma tragédia social.
Os cortes nos gastos públicos afetam seriamente os serviços de saúde e educação. O governo responde à crise com privatizações, aumento de impostos, novos cortes e arrocho generalizado, que castigam principalmente o funcionalismo.
A quinta essência do plano em curso na Grécia e em outros países europeus é uma ofensiva sem paralelos contra a classe trabalhadora. Trata-se de reduzir a qualquer preço o custo do trabalho na região. Isto pressupõe o desmantelamento do chamado Estado de Bem Estar Social, que bem ou mal consagra conquistas históricas do proletariado no velho continente.
Conversão da social-democraciaVerifica-se também no desdobramento da crise da dívida o ato final da conversão da social-democracia europeia (que na Grécia é representada pelo Partido Socialista, Pasok) ao neoliberalismo.
Foi-se o tempo em que o Estado de Bem Estar Social era celebrado como a realização do ideal social-democrata, uma prova de que o capitalismo devidamente regulado poderia se transformar num regime democrático e popular por via da conciliação e colaboração de classes, desmentindo as previsões pessimistas de Karl Marx acerca do futuro do sistema.
Estado de Bem Estar SocialAgora, a palavra de ordem da burguesia europeia, liderada pela oligarquia financeira alemã, é o desmantelamento do Estado de Bem Estar Social. A social-democracia não demorou a capitular e incorporar o novo espírito do capital em relação ao trabalho e sequer rejeita o serviço sujo de liderar o processo de destruição em alguns países, como se vê na Grécia e Espanha.
A defesa do Estado de Bem Estar Social, que expressa em muitos aspectos a vitória da economia política socialista sobre a economia política do capital (ou burguesa), ainda que no interior do capitalismo, assume hoje um caráter revolucionário.
Luta de classesNaturalmente o canto de sereia da “união nacional” em torno dos pacotes indigestos da “troica” não atraiu todo mundo na terra de Ulisses, que logrou resistir à embriagadora melodia amarrado ao mastro do navio. Os partidos de esquerda, entre eles o Partido Comunista (KKE), a Esquerda Democrática e a Coalizão de Esquerda Radical (Syriza), permanecem firmes na oposição. O poderoso sindicato dos funcionários públicos (Adedy) anunciou novas greves e manifestações de protestos.
Em vez de recrudescer, a luta de classes deve esquentar. Os comunistas gregos divulgaram uma nota sobre a mudança de governo condenando a “conciliação entre as classes” e o “pacto social” convocado pelo novo gabinete. Anunciam que “com mobilizações, greves e demonstrações estabeleceremos um novo curso, em frentes de luta que deverão evoluir para encontrar a solução dos problemas que afligem o povo".
"Antes que o governo comece a se organizar, antes que tome as primeiras medidas”, enfatiza o KKK, “deve saber que o povo está contra ele. Há problemas específicos imediatos, como a abolição dos impostos mais pesados, problemas imediatos que estão relacionados aos impostos, à ´taxa´ de solidariedade, o aumento do imposto de valor agregado, as escolas que não têm financiamento e que fecharão as portas em breve. Não há dinheiro para as universidades, para nada". Todo socorro é desviado para pagamento dos juros.
Ruptura do pacto socialSegundo informações do KKE, a primeira resposta já foi dada pelo Pame (uma frente sindical classista), com a realização de grandes manifestações em Atenas e outras cidades, na noite de quarta-feira, 10 de novembro.
É o pacto social-democrata de conciliação e colaboração de classes que desmorona com a ofensiva reacionária do capital contra a força de trabalho. A guerra de classes que invade as ruas do velho continente não foi iniciada pelos trabalhadores, é obra exclusiva dos capitalistas. Mas somente a classe trabalhadora poderá, na luta, descortinar o caminho de uma saída progressista para a crise, que não é mais nem menos do que uma grave crise do sistema capitalista.
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