A Versão da Madrasta
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A Versão da Madrasta


O problema é que ninguém nunca quer saber o outro lado da história. Acostumados com a versão da princesinha e do príncipe encantado, ninguém quer ouvir o que a madrasta tem a dizer. 

É fácil isso. Afinal, sou a Má-drasta, má logo no inicio, então ta. Como poderia ser diferente do que eles contam? 

- Ei, você ai, me dá uma bebida bem forte. A mais forte, que tiver! E vê se não demora, viu! 

Então como estava dizendo. Você acredita que me casei duas vezes, DUAS vezes – uma cheguei a ser rainha e fui expulsa de casa as duas? E por causa de quem, de quem? De criaturas mimadas, que não queriam repartir o paizinho comigo. 

E, olha, o pior não é isso... – Ei, cadê minha bebida! – o pior, é criar uma filha, cuidar dela e quando ela crescer, me largar que nem roupa velha... Vou te contar, eu penteava os cabelos daquela ingrata, vinte vezes ao dia, cem escovadas prum lado, cem escovadas pro outro. E o cabelo dela era imenso! Juro, dava voltas e voltas... A tal da Rapunzel, daí foi só aparecer um principezinho de merda e ela me largou e ainda inventou um monte de coisas sobre mim! Que eu a prendia numa torre e subia pelos cabelos dela. Afé, como eu iria subir pelos cabelos de alguém?! Era uma escrava da garota, isso sim! Fazia comida, arrumava a torre, contava histórias para ela e penteava aqueles cabelos... Sabe que tenho pesadelos até hoje com isso? Acordo sufocada naquelas tranças gigantescas. E no dia que ela teve piolho?! Estremeço só de lembrar...

- A bebida sai ou não sai?! Lugarzinho furreca esse, heim? Meia hora para beber alguma coisa! Achei que você tinha ido fabricar a bebida! Dá logo esse copo! 

Mas, então, eu era uma menina quando casei com o pai da Branca de Neve, é, essa mesma que agora é rainha. Bah! O rei tinha acabado de ficar viúvo e com uma filha pra criar, como meu pai tinha posse, (antes de perder tudo no jogo, agora o miserável vive me pedindo dinheiro!), foi quase natural que casássemos, daí a guria cresceu, ficou bonita e intragável! Vadia, com V maiúsculo. A filha da mãe se apaixonou por um guarda do castelo e fugiu com o desgraçado pra floresta, alugaram a casa dos anões e passaram uma temporada por lá. 

Quando a relação deles fez água, inventou a história de que eu queria matá-la, vê se pode! Armou com os anões, engabelou o príncipe a acabou com meu casamento! Por causa dessa zinha, amarguei anos nas masmorras do reino!

- Posso pedir mais uma? Então, por favor, manda mais uma caprichada!

Você não imagina o que tive que fazer para fugir daquele lugar, nem para quem tive que dar. Um horror! Um horror! 

Fiquei algum tempo escondida, até me inscrever num desses realitys de transformação. Ah, foi ótimo, fiquei linda de novo. Fui embora daquele reino, não sei nem pra quê. Acabei me apaixonando por um lorde decadente, que tinha uma filha, a tal da Cinderela. Hum, outra que não vale o chão que pisa. Essa embirrou quando engravidei e tive as gêmeas. Meninas lindas e educadas, mas que sofriam nas mãos da minha enteada. Que inventava milhões de histórias para o pai, toda vez que ele voltava de viagem. Infelizmente, ele viajava muito e toda vez era a mesma coisa, era só chegar e pronto, ela dizia que eu a escravizava e a fazia de faxineira. Chegava ao ponto de se rasgar e sujar o rosto. Nosso casamento virou um inferno, até ele morrer e eu ter que ficar cuidando de três jovens... Estava doida para conseguir um bom casamento pras minhas filhas e ficar em paz. 

Ai teve  a história do baile. A desgraçada da Cinderela roubou todo o nosso dinheiro para comprar um vestido exclusivo e até minhas jóias entraram na dança! Minhas filhas, coitadas, foram pro baile com vestidos de segunda mão. Mas, o pior, foi o sapato. Eu tinha comprado pra mais bonita das gêmeas, um sapato lindo. Todo trabalhado em pedrarias. Lindo, lindo... Minha pequena tinha encantado o príncipe que dançara com ela a noite toda, mas Cinderela, com ciúmes, na hora de irem embora, empurrou a menina das escadarias e ela além de perder o sapato, ainda torceu o pé. Ficou uma coisa horrível, roxo e inchado. Cinderela aproveitou a confusão para roubar o sapato, mas como os guardas já estavam chegando, só conseguiu pegar um pé.

O resto você já conhece, o príncipe foi de casa em casa, com um pé do sapato, atrás da mulher que dançara no baile. Chegando lá, claro que minha filha, com o pé roxo e inchado da torção, não poderia calçar o sapato, daí a maldita, apareceu com o outro pé, e pronto. Se casou com o príncipe e ainda expulsou eu e minhas filhas do reino...

Imagina minha situação, pobre, sem casa e com duas adolescentes a tiracolo. Uma das gêmeas mandei pra casa da vó, depois descobri que teve um incidente com um lobo no caminho e acabou se casando com um lenhador, menos mal. 

A outra foi a tal dos cabelos compridos, que te contei no inicio. Rapunzel. Humpf! Hoje ela está se casando com o tal que a “resgatou” da torre! Esqueceu completamente da mãe, a ingrata... 

- Tá, eu sei que está na hora de fechar, mas libera mais uma dose, vai! Eu pago.  Hoje fiz uma descoberta ótima, achei um castelo abandonado, parece que uma bruxa almadiçoou a menina e ela furou o dedo numa roca e ta todo mundo adormecido por lá...  Digamos que peguei algumas coisas emprestadas por lá, não muita coisa, fique claro, por que ladra eu não sou! Um anel daqui, um cordão dali, afinal de contas, um dia tem que ser o dia da madrasta.




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