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ADMIRÁVEL MUNDO PLASTIFICADO
Saiu no jornal uma notícia cheia de revelações surpreendentes. Ok, surpreendente talvez não seja a palavra, porque a gente supõe que essas coisas acontecem. Mas eu não estava a par que começavam tão cedo. A matéria diz que o sempre crescente número de cirurgias para implantes de silicone tem mais procura nos meses de julho. Por quê? Porque é o mês das férias escolares. E há cada vez mais meninas adolescentes, dos doze aos dezoito anos, recorrendo a implantes. Elas ganham de presente dos pais; vêem as mães colocando silicone e pedem pra elas também. Essas garotas, antenadas, sabem muito bem o que querem: querem se conformar ao que a sociedade quer delas. Isso não é novidade. Nessa idade todo mundo quer fazer parte do mundo. Eu lembro muito bem quando, durante a minha adolescência, na primeira metade dos anos 1980, eu olhava pros meus peitões (ainda por cima um maior que o outro), comparava com os que via na TV, nas revistas e no cinema (não existia internet), e constatava que eles estavam muito fora do padrão aceitável. Sempre pensei em reduzi-los. Naqueles tempos ainda não havíamos importado para o Brasil o padrão americano que Millôr Fernandes chamava (preconceituosamente) de “vacas premiadas”. Era muito mais usual fazer cirurgia pra diminuir os seios que pra aumentá-los. Mas existia também uma certa ética, uma certa responsabilidade dos cirurgiões, e também um certo lugar comum de que o corpo se transforma bastante durante a adolescência, e tudo isso impedia que as mocinhas entrassem na faca antes dos dezoito anos. Mas me recordo de uma conhecida minha e da sua felicidade por, aos dezoito, ganhar dos pais o tão sonhado presente: reduzir seus seios. Agora já não é mais assim. Hoje não precisamos perder tempo esperando chegar a maioridade (a idade média das adolescentes que se submetem aos implantes é de 15 anos), e a onda é aumentar os seios, não diminui-los. Na mesma reportagem li, surpresa, que existe um concurso de Miss Teen Brasil (ou seja, para menores de idade), cujo prêmio, entre outros, é a quantia de 20 mil reais para torrar em cirurgias plásticas. Eu sou um pouco devagar e tenho dificuldade pra entender como o prêmio por ganhar um concurso de beleza é ser cortada pra ser corrigida (de repente os 20 mil não poderiam ir pra quem ficou em último lugar?, perguntou o maridão). Mas é como diz um missológo, um dos maiores criadores de misses brasileiras hoje em dia, que vê uma mulher bonita e diz: “Esta eu demolia e transformava em monumento”. Estamos sendo demolidas, mas ei, monumentos são erguidos em nossa homenagem. Sinal de respeito, não? Grandes homenagens!A notícia de que até meninas de doze anos já estão colocando próteses de silicone nos seios me fez pensar num anúncio vintage de uma marca de refrigerante. Traduzo: “Para um melhor início de vida comece a tomar refrigerante mais cedo! Quão cedo é cedo demais? Nunca é cedo o suficiente. Testes de laboratório nos últimos anos têm provado que bebês que começam a beber refrigerante durante seu período de formação inicial têm uma chance muito maior de conseguirem ser aceitos durante aquela estranha época adolescente e pré-adolescente. Então, faça um favor a você. Faça um favor a sua criança. Inicie para ela um regime rígido de refrigerantes e outras bebidas açucaradas gaseificadas agora mesmo, para uma vida cheia de sucesso garantido”.Pois é, este anúncio é dos anos 50, quando testes de laboratório “provavam” até que cigarro prevenia câncer de pulmão. Não se fazia ideia (ou fingia-se que não se fazia) que refrigerantes repletos de açúcar podiam levar à obesidade. Mas sou só eu que consigo imaginar cirurgião plástico dizendo pras suas pacientes cada vez mais jovens que “nunca é cedo o suficiente”? É forte a ligação entre o anúncio de refri e querer ser aceita a qualquer custo na adolescência. Na matéria do jornal sobre cirurgia plástica, mais de uma menina diz ter passado por bullying na escola. Sem peito pra mostrar, elas eram ridicularizadas e chamadas de “retas”. E, claro, em vez de combatermos o bullying, corrigimos o diferente. Mas não é o corpo com seios pequenos, ou com seios grandes, ou com seios assimétricos, ou com seios caídos, que está errado. É o bullying, ué — este bullying que se baseia num padrão único de normalidade para toda forma de aceitação e tolerância. No mesmo dia da divulgação da matéria sobre cirurgias, no entanto, li uma boa notícia: a Grã-Bretanha baniu dois anúncios de cremes de beleza. Um deles mostrava a Julia Roberts, 43 anos, com a pele lisinha, zero linhas de expressão ou rugas. A deputada inglesa que pediu a retirada dos anúncios disse que eles estavam fora da realidade, que os distúrbios alimentares como anorexia e bulimia mais do que dobraram nos últimos quinze anos, e que “Há um problema com aceitação do corpo. O modo em que o photoshop em excesso se tornou corrente na nossa sociedade contribui para esse problema”. Em outras palavras: propaganda enganosa. Enganosa e horrorosa. O que é esse troço saindo da Christy Turlington? Mas costumamos pensar que toda propaganda exagera e, como toda a propaganda (de todos os produtos) é no fundo enganosa, tudo bem. Também caímos na ladainha de que, ao contrário dos anos 50, hoje há fiscalização em cima do que toda uma indústria — a cosmética, por exemplo — promete e o que ela cumpre. E, acima de tudo, acreditamos que essas mentirinhas e essas imagens falsas não têm efeito algum nas nossas crianças e adolescentes. Como não têm? Se até nós mulheres adultas corremos para nos adaptar ao padrão, imagine o que sentir-se fora da normalidade não faz pra autoestima de meninas. E aí, é isso mesmo que queremos? Uma sociedade inteirinha plastificada em que garotas de doze anos já têm seios artificiais e um distúrbio alimentar pra combinar com o visual?
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