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Aécio Neves e o reino da fantasia
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Sete meses depois de fazer um editorial onde pedia a demissão de Guido Mantega, alegando que a medida ajudaria no crescimento da economia brasileira, até o jornal britânico Financial Times foi obrigado a reconhecer um fato relevante da campanha presidencial.
Levado para um confronto com Armínio Fraga, candidato a ministro da Fazenda na hipótese de Aécio Neves ganhar a presidência, Guido Mantega parecia condenado a um nocaute rápido, na semana passada. Aconteceu o contrário: Arminio é que foi embora atordoado.
O debate ocorreu no dia em que havia ocorrido uma superação - 0,25% - no teto da meta de inflação. Recém-anunciadas, estimativas de crescimento para 2014 chegavam a 0,3%. Apesar da paisagem desfavorável, Guido Mantega mostrou que a inflação de Dilma é menor que a de Lula que também foi menor que a de FHC. Fez uma defesa consistente dos bancos públicos e mostrou - com números - que desempenham um papel positivo no desenvolvimento do país. Falou de obras de infra estrutura e dos programas de habitação. Tinha dados e tinha argumentos, enfim.
Diante da inconveniência de admitir que o ministro da Fazenda tinha argumentos, e foi capaz de fazer sua defesa, o Financial Times avaliou que Armínio “decepcionou”.
O jornal explica que ministro-candidato é capaz de falar para empresários e homens de negócio mas observou que “Fraga e o PSDB precisam levar sua mensagem econômica para o brasileiro médio e desconstruir o senso comum de que aquilo que é bom para o mercado é ruim para a população e vice-versa.”
Demonstrando um espírito particularmente agressivo em relação a campanha brasileira, muito longe da linguagem suave de uma disputa civilizada, ainda mais num país distante e soberano, o Financial Times explica a importância estratégica de uma vitória de Aécio nas eleições de 26 de outubro: “Afinal de contas, não é um debate cordial: é uma guerra, a batalha final pelo controle do segundo maior mercado emergente, onde vivem 200 milhões de pessoas.”
Preste atenção nestas palavras do jornal que é um dos principais porta-vozes dos mercados financeiros: “guerra, batalha final, segundo mercado maior mercado emergente…”
É disso - realmente - que se trata.
O Financial Times atribui essa missão de guerra para Armínio, sem pudores nem rodeios, com o mesmo discurso arrogante que, no início do ano, queria derrubar Guido Mantega - como se acreditasse que Dilma Rousseff fosse uma Marina Silva e um editorial de Londres tivesse a força de quatro tuites de Silas Malafaia.
Mas fica a pergunta: por que Armínio Fraga decepcionou os ingleses?
Já li que ele é ruim de dar entrevistas. Pode ser. Mas isso pode melhorar com cursos de fonoaudiologia e mídia-training.
Uma dificuldade bem maior se encontra na substância, naquilo que o Financial Times definiu como “desconstruir o senso comum de que aquilo que é bom para o mercado é ruim para a população, e vice-versa.” (Eu acho uma descrição muito simplória do que está em debate em 2014. Faz tempo que o PT procura estabelecer relações amistosas e produtivas com o mercado. Mas foi assim que os ingleses colocaram a coisa).
Aécio, a quem não se irá atribuir falta de experiência no jogo retórico dos debates políticos, tem problemas sérios para ganhar discussões de política econômica, quando é preciso deixar o universo impressionista das generalidades e frases de efeito.
Vem daí, na verdade, a dificuldade da campanha do PSDB para “desconstruir o senso comum.”
Em sua última tentativa para encontrar um lastro compreensível nessa área, Aécio procurou colocar-se como herdeiro de outro personagem, Juscelino Kubistcheck. É espantoso.
Traduzindo para 2014 um debate da segunda metade da década de 1950, é fácil entender que o governo JK foi exatamente o oposto daquilo que Armínio Fraga defende e Aécio aprecia. A maior semelhança entre os dois é o fato de terem nascido em Minas Gerais. Como Dilma, aliás.
JK fez um governo desenvolvimentista, com forte presença do Estado na economia. Enquanto Aécio fala em se reaproximar dos mercados financeiros, Juscelino rompeu com o FMI. Fez isso quando este se tornou um entrave ao crescimento, cobrando uma política de corte de gastos e austeridade levaria ao desemprego e a recessão. Sabe por que?
Porque dizia que a inflação estava alta demais e era preciso cortar o crescimento.
Apesar de uma inflação anual média de 25%, que não era pequena, vamos combinar, JK foi terceiro presidente mais popular da história brasileira, só atrás de Lula e Getúlio Vargas. Imagine os editoriais, as denúncias.
Na campanha de 1960, Carlos Lacerda e a UDN forneceram as bandeiras de Janio Quadros: a luta contra a inflação e o combate a corrupção. Aquilo que hoje se fala sobre a Petrobrás se dizia da construção de Brasília. Depois do golpe de 64, o regime cassou JK e abriu um IPM para tentar que fosse preso.
Este é o problema: a imagem positiva que JK deixou junto a maioria dos brasileiros não combina com o texto político da campanha do PSDB, que foi inspirada pela cartilha dos inimigos de Juscelino.
Guru ideológico dos assessores econômicos de Aécio, no livro “Lanterna de Popa” o ex-ministro Roberto Campos usou contra JK as mesmas palavras que Aécio e seus aliados empregam contra Dilma e Lula.
Roberto Campos fala de “populismo” e “desenvolvimentismo” como se fossem doenças tropicais contagiosas. Referindo-se aos conflitos com o FMI, descreveu que “Kubistchek rompeu com o FMI, em 1959, porque os programas de austeridade interferiram em seus sonhos desenvolvimentistas. ”
Para Roberto Campos, “tanto o desenvolvimentismo como o populismo “acabaram se refugiando no ancoradouro emocional do nacionalismo radical.”
Assim fica difícil “desconstruir a ideia de que o que é bom para o mercado é ruim para o você e vice-versa,”concorda?
Assim também fica fácil entender por que Aécio se apresenta como candidato da mudança - mas não diz o que vai mudar, para que, em benefício de quem.
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