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Alguém escreve ao coronel - CELSO GUTFREIND
ZERO HORA - 30/10
Porque também não posso deixar de fazer o meu trabalho, escrevo ao coronel para cumprimentá-lo
Não sou fã de coronéis. Nem de outros militares. Até hoje, só pude gostar deles na ficção. Tive empatia pelo coronel a quem ninguém escrevia, do García Márquez. E mais aquele do lobisomem, do Cândido de Carvalho. Pelos de verdade, nunca alimentei simpatia. Pelo contrário?
Sei que defendem a soberania de um país, que podem ser imprescindíveis para a segurança. E que são fortes, embora desconhecidos, nos países escandinavos. Mas nada do que sei prevalece quando sinto que estão inseridos numa hierarquia abusiva ou quando penso em uso excessivo da força. Pior ainda, nos regimes militares e seus atentados contra as liberdades individuais.
O coronel Reynaldo Simões Rossi estava trabalhando no recente protesto em São Paulo. Tratava-se de mais uma manifestação a favor do passe livre. Como de hábito, chegaram os vândalos, membros do black bloc. O coronel foi cercado e agredido covardemente pelo grupo. Ele teve a clavícula quebrada, sofreu vários cortes no rosto, tomou pauladas na cabeça e nas costas com uma barra de ferro. Levantou-se a custo e só não foi linchado até a morte porque o acudiu um companheiro que sacou a arma.
A arma não foi disparada. E o coronel, ao ser socorrido, cambaleante, não abandonou o posto. Pelo contrário; ordenou calma a seus subordinados. A cena foi mesmo impressionante. O coronel vinha de ver a morte. Sangrava, tinha as duas omoplatas fraturadas. Não lhe faltavam motivos para reagir com a mesma violência com que seus agressores haviam danificado orelhões, caixas eletrônicos, terminais de ônibus e, pior, o próprio coronel.
No entanto, alheio à própria dor e humilhação, não arredou um centímetro de seu trabalho. E não sossegava enquanto não via os ânimos apaziguados. Adiou a ida ao hospital e o alívio da dor intensa a fim de evitar a deflagração de um caos maior. Lembrava o equilibrista, morto em plena queda, que inspirou um poema sublime do Quintana, louvando a força e a honestidade de uma profissão que não se encolhia para nada, nem mesmo para morrer, se fosse o caso.
Já sem a farda, o coronel Reynaldo ainda mantinha o olhar um palmo acima da tristeza que o mesmo olhar expressava. Atento, persistente, acima do medo. E comandava, porque era este o seu trabalho. Evitar a proliferação da violência de que acabava de ser uma vítima quase fatal. E seguir batalhando pela calma.
Aprendi muito com ele. E, porque também não posso deixar de fazer o meu trabalho, escrevo ao coronel para cumprimentá-lo. Sem que nada possa deter-me, nem vândalos nem violência externa nem preconceitos dentro de mim.
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