Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os principais jornais de circulação nacional demonstram um entusiasmo quase triunfal pelas notícias sobre aumentos pontuais dos preços de certos gêneros alimentícios. Os índices anunciados no último mês realmente mostram um descompasso nos valores de alguns produtos, com especial destaque para o tomate, que se tornou até mesmo tema de anedotas nas redes sociais.
O movimento de alta produz sua consequência natural em qualquer economia: a queda nas vendas do varejo. A imprensa adora citar aquela frase famosa do estrategista do ex-presidente americano Bill Clinton, James Carville, anotada num quadro da sede da campanha eleitoral de 1992: “É a economia, estúpido”.
Na sexta-feira (12/04), porém, a reação natural dos consumidores faz os editores se esquecerem da lição contida na frase, justamente para fazer uso político de seu significado. O Globo e a Folha de S.Paulopareceram ter combinado. Com variação sutil, os dois diários anunciam em suas manchetes: “Alta de alimentos derrubavendas de supermercados”, disse a Folha; “Alta dos preços já derruba vendas em supermercados”, anunciou o Globo.
A análise da intencionalidade de uma frase, no caso das manchetes de jornais, virou brincadeira de criança, tamanha a falta de sutileza do texto jornalístico. Observem a leitora e o leitor, por exemplo, o uso do verbo “derrubar” em contexto que induz a certa dramaticidade, e, no caso do Globo, a inserção do advérbio “já”, de intensidade, que denota uma suposta antecipação da queda nas vendas do varejo, apresentada como fato incontornável.
O Estado de S.Paulo, que apesar dos pesares ainda preserva um texto mais elaborado, principalmente no noticiário econômico e no internacional, colocou o tema como anexo da manchete sobre custo da energia, mas repete o verbo impactante: “Alta de preços derruba vendas no varejo”.
O Valor Econômico, o principal jornal brasileiro de economia e negócios, posicionou o tema em contexto intermediário na primeira página, preferindo anunciar na manchete que o governo vai mudar regra de leilões no setor de energia. De qualquer modo, o jornal especializado faz uma abordagem mais serena da questão dos preços e, até por sua especialização, oferece uma leitura menos emocional dos fatos econômicos, anotando que a inflação deve desacelerar dos 0,47% em março para 0,45% em abril, caindo para 0,32% em maio.
A oferta e a procura
Por que, então, a histeria nos jornais chamados de genéricos, que compõem o “núcleo duro” da imprensa tradicional? Cada leitor dará uma sentença, conforme suas crenças e sua ideologia, mas podem-se fazer apostas baseadas na análise do discurso jornalístico.
Os três diários se concentram no fato de que houve uma retração anual nas vendas em fevereiro deste ano, comparando com o mesmo mês de 2012, mas destacam também a queda de 0,4% no comparativo mensal, entre janeiro e fevereiro deste ano, embora o bom jornalismo recomende evitar ponderações entre dados de contextos diferentes, que são influenciados por questões como sazonalidade, férias etc.
Seria aborrecido, complicado e inócuo fazer a releitura crítica de todos os textos, mas o leitor e a leitora atentos podem notar, em detalhes e no quadro geral, que a mídia tradicional parece festejar os números negativos da economia.
A imprensa brasileira, literalmente, “pisa no tomate”. Difícil é afirmar ou justificar suas razões. Mas há ocorrências que extrapolam até mesmo o senso básico, como no caso da pequena reportagem publicada pelo Estadão, na qual o repórter, a propósito de consolidar a ideia de uma carestia, apresenta o seguinte título: “Oferecer churrasco? Só para quem pode” – e segue uma tentativa de quantificar quão mais caro ficaria fazer um típico almoço brasileiro nestes tempos.
A reportagem, quase em tom de blague, começa afirmando que, “tirando a carne, que, em 12 meses, subiu 3,1%, bem menos que os 6,6% da inflação oficial...” e por aí vai. Ora, se o item predominante no churrasco é a carne, e o preço da carne subiu bem menos que a inflação, a reportagem morreu aí: na verdade, o churrasco está mais barato hoje do que no ano passado – os demais itens alinhados no texto, como o tomate, a farinha, o vinagre e outros ingredientes secundários, dos quais se usa pouca quantidade no churrasco, tiveram aumento de preços, mas seu peso no custo do almoço será relativo. Ou alguém pensou em fazer churrasco de tomate?
Pode-se, então, concluir que o interesse principal do conjunto noticioso, desde a manchete até essa reportagem, está viciado pela intenção de origem: apostar na deterioração da economia brasileira.
Aliás, a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) avisa que os preços de alimentos subiram no mês passado em todo o mundo, mais que o dobro do que no Brasil, por conta de problemas climáticos, mas a tendência é melhorar ao longo deste ano.
Além disso, é de se perguntar o que há de tão insólito: se as mudanças climáticas afetam a agricultura, ou se a indústria de agrotóxicos quer vender novas drogas, se não houve investimento, ou seja lá qual for a causa do aumento de preços do tomate, trata-se da velha lei da oferta e da procura. Numa sociedade saudável, a reação natural é essa mesmo: ficou caro, não se compra.
Cai-se, então, na tentação de repetir a frase que a imprensa adora: “É a economia, estúpido!”
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