Apagão não tem graça - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
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Apagão não tem graça - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE


CORREIO BRAZILIENSE - 02/09
Quantos apagões mais serão necessários para que o governo admita a vulnerabilidade do sistema elétrico nacional? Se uma queimada numa fazenda do Piauí deixa 53 milhões de pessoas sem luz, como ocorreu por cerca de três horas e meia na tarde da última quarta-feira em apagão que abrangeu os nove estados do Nordeste, não dá para acreditar na robustez do complexo, como insiste em enaltecê-lo o Ministério de Minas e Energia (MME). Fosse engraçado, seria o caso de gargalhar, como sugeriu a presidente Dilma Rousseff, no fim do ano passado, aos que ouvissem a desculpa de que raios haviam provocado o blecaute de então em parte das regiões Sul e Sudeste do país.
A verdade, pois, é uma só: o fornecimento brasileiro de energia elétrica é precário, incapaz de assegurar a confiança da população, que diria do setor produtivo. E, sem credibilidade, apaga também o potencial de investimento de empresários interessados em expandir negócios, comprometendo a geração de emprego e renda e, por fim, prejudicando o crescimento do PIB. No fundo, nem raios nem queimadas são explicações plausíveis para apagões, pelo menos na proporção gigantesca dos que o país tem visto. Melhor as autoridades saírem da escuridão, assumirem a incapacidade de resolver o problema e tomarem as devidas providências.

Tivesse partido dessa premissa desde logo, o MME teria agora nos poupado de mais uma piada ao pedir "fiscalização rigorosa" à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Tampouco teria gerado expectativa sobre a reunião de hoje do Operador do Sistema Elétrico Nacional (ONS), com "todos os agentes envolvidos" no incidente, para elaborar um relatório. Tudo bem, são encaminhamentos necessários mas rotineiros, cujo anúncio nada muda. O que o país espera das autoridades é solução técnica para pôr fim ao efeito dominó, em que problema localizado, como o da fazenda piauiense, prejudica área superior a 1,5 milhão de quilômetros quadrados.

Grosso modo, é como se a queda de um disjuntor provocada pelo aquecimento de um chuveiro em determinada residência deixasse toda a cidade sem luz. Não dá para conceber! A interligação do sistema brasileiro tem vantagens a serem preservadas. Permite, por exemplo, que o Nordeste, cujas hidrelétricas estão com reservatórios em níveis abaixo da média, receba energia de regiões com maior capacidade geradora. Mas esse ganho perde sentido se o simples corte de uma linha tem potencial para mergulhar nas trevas quase 20% do território de um país de dimensões continentais como o Brasil.

O brasileiro nem pode se dar ao prazer de gabar-se de contar com a matriz energética mais limpa do mundo, proveniente, na quase totalidade (perto de 80%), de fontes renováveis. Aliás, cada vez mais o país tem sido obrigado a recorrer às usinas térmicas, movidas a gás e a diesel. Não bastasse, justamente questões ambientais parecem intransponíveis na hora de licenciar obras de hidrelétricas. E o mau planejamento chegou ao cúmulo ao se descobrir, no meio do caminho, que a construção da linha de transmissão entre Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, e Araraquara, em São Paulo, tinha incompatibilidade de conexão capaz de queimar turbinas. Resultado: prejuízo estimado em R$ 100 milhões para correção do erro. Pôr a culpa em raios e queimadas não tem graça.




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