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Apagões, viroses e o futebol na TV Globo
Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:
Copa do Mundo: Alemanha 7 x 1 Brasil. Diagnóstico do Scolari: “Apagão”. Copa América: Brasil desclassificado pelo Paraguai. Diagnóstico do Dunga: “Virose”. Em outras profissões, diagnósticos desse tipo poderiam ser submetidos a conselhos de ética e seus autores, a punições. Diagnósticos sérios, se fossem feitos, iriam buscar as razões dessas derrotas em problemas bem mais profundos. Práticas capazes de transformar, em duas ou três décadas, o “melhor futebol do mundo” num coadjuvante menor das grandes disputas internacionais.
A entrega da seleção brasileira e dos campeonatos nacionais ao controle da Rede Globo de Televisão está na raiz desses problemas. O esporte mais popular do país foi reduzido a um simples programa de TV, obrigado a se ajeitar na grade de programação da emissora, segundo suas conveniências comerciais.
As consequências foram danosas para clubes, seleções e torcedores, os mais prejudicados. Nos jogos noturnos são obrigados a sair do estádio à meia-noite porque as partidas devem começar depois da novela. E ao se postarem diante da TV, são vítimas do monopólio, já que a emissora seleciona um jogo para transmitir e impede as demais de oferecer alternativas.
Essa lógica fez inúmeros clubes desaparecerem da televisão e com isso se inviabilizarem comercialmente. Os direitos de transmissão são negociados clube a clube, recebendo mais dinheiro aqueles que, em tese, podem dar mais audiência. É a contribuição da TV para o desequilíbrio financeiro entre eles, com os mais fortes se tornando cada vez mais fortes, às custas dos demais. Dos 20 clubes que disputam o campeonato nacional deste ano, há apenas um do Nordeste, um do Centro-Oeste e nenhum do Norte. Salvador, Fortaleza e Brasília somam mais de 9 milhões de habitantes, e não têm nenhum clube na série A do Brasileiro.
Na Inglaterra, 50% dos direitos de transmissão são distribuídos igualitariamente e a outra metade leva em conta os tamanhos das torcidas e o desempenho técnico nas disputas anteriores. Na Alemanha, o sistema é mais radical: o total das quotas de televisão é distribuído igualmente entre todos os clubes.
Caminhamos rumo ao modelo espanhol, em que apenas duas equipes disputam para valer o campeonato nacional, com uma terceira na sombra. A única tentativa de tornar mais equilibrada a distribuição dos direitos de transmissão no Brasil ocorreu com a criação do Clube dos 13, organização que negociava com a TV em nome dos principais clubes brasileiros. A Globo conseguiu debilitá-lo realizando negociações isoladas com os clubes, pondo fim à sua existência.
Quanto à seleção, não é por acaso que o principal delator dos escândalos internacionais seja José Hawilla, responsável pela intermediação na venda dos direitos de transmissão das partidas. A existência do intermediário, nesse tipo de transação, tem como objetivo apenas possibilitar a distribuição de propinas para dirigentes de federações e confederações, como salienta o jornalista Luiz Carlos Azenha, um dos autores do livro O Lado Sujo do Futebol.
As “tenebrosas transações” do futebol brasileiro ganharam espaço e se perpetuaram, deixando para segundo plano questões como a formação dos atletas e a qualidade dos espetáculos. Sem ver na TV os times de sua cidade ou de seu estado, meninos e meninas passaram a torcer por clubes do eixo Rio-São Paulo e, mais recentemente, para os integrantes da Liga dos Campeões da Europa. E quando veem a seleção no gramado têm dificuldade de reconhecer a maioria dos jogadores, muitos deles com carreira iniciada na pré-adolescência fora do Brasil.
As mudanças legais aprovadas no início de julho pelo Congresso Nacional, sob forte pressão contrária da bancada dos cartolas, ainda são muito tímidas. Seguimos longe dos melhores modelos europeus e mais distantes ainda da Argentina, que devolveu ao público o direito de ver pela televisão, sem custos, o futebol do seu país.
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