Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
Já lhes expliquei que meu trabalho é esse: analisar a mídia. Até gostaria de escrever aqui sobre a Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges, clássico que ora leio sobre os hábitos, cultura e revoluções em Roma e Atenas. Mas a vida é dura e eu tenho de ler e analisar a coluna do Arnaldo Jabor.
Depois do blogueiro da Veja declarar seu voto em Serra, agora é a vez do colunista da Globo prestar continência. Deixemos o chapeleiro doido pra lá. O Cafezinho ainda não tem verba para adquirir roupas antiradioativas que o permitam explorar o lixo atômico da Abril.
Do Jabor, porém, não dá para escapar. Ele joga nas onze: faz comentário na CBN, no Jornal da Globo, escreve coluna pro Globo e Estadão. Enfim, analista de mídia é como operário em fábrica de sardinha. Ou se acostuma ao cheiro, ou se demite.
A manifestação de Jabor (assim como a de Reinaldo) mostra o grau de tensão e perplexidade no ninho tucano diante da possibilidade de derrota de José Serra nas eleições municipais de São Paulo. Jabor não é sutil: ataca pesadamente Russomano, o lulismo, e entoa loas descaradas à José Serra. Todos unidos em prol da mesma causa. Que lindo.
Até aí tudo bem. Liberdade de imprensa é pra isso mesmo: assegura o direito de obedecer cegamente aos ditames ideológicos de seus chefes.
Não julgo Jabor, nem sua opção política, partidária e ideológica. O ponto que eu gostaria de abordar é a sua convicção de que possui expertise eleitoral acima dos profissionais que assessoram o PSDB. Essa convicção adquire ares de delírio quando se percebe que ela cresce à medida em que os candidatos apoiados pela mídia acumulam derrotas. Ou seja, quanto mais perde eleições, mais a mídia se considera vencedora. Isso me interessa porque oferece uma interseção entre análise de mídia e análise política.
Analisemos esse trecho do artigo de Jabor:
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Mas Serra também errou. Tudo começou em 2002 quando, diante de meus pobres olhos perplexos, Serra não defendeu o governo de FHC diante dos ataques de Lula no debate. Eu vi a cara do Lula quando percebeu que a intenção do adversário era “não” defender o excelente governo que acabara com a inflação, fez reformas etc… Por estratégia (quem foi a besta que inventou isso?) ninguém podia defender os grandes feitos que o PSDB tinha conseguido… Lula, espertíssimo, deitou e rolou nesse equívoco imperdoável, inesquecível, que começou a derrotar o próprio Serra e o tucanato por tabela. Nunca entenderei isso. Como não demitiram o chefe da campanha e deixaram-no persistir nos erros até hoje? Serra acreditou no marketing em vez de crer em si mesmo e em sua verdade.
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Jabor omite um fator básico. Os estrategistas de Serra esconderam FHC por uma razão simples. O ex-presidente havia se tornado extremamente impopular. O “excelente governo” terminava com desemprego alto, dívida pública descontrolada, carga tributária dez a quinze pontos superior ao início da gestão, serviços públicos desmantelados.
O colunista vai mais longe e pede uma “demissão” retroativa do marketeiro da campanha do Serra em 2002. Ou seja, Lula não ganhou porque o povo se identificou com suas propostas. Lula ganhou porque o marketeiro do Serra não seguiu os conselhos de Arnaldo Jabor.
Em seguida, Jabor afirma que a solução para salvar a campanha de Serra é trazer FHC:
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Teria de assumir isso, enquanto é tempo. Tem de superar seu complexo de Édipo e chamar FHC para a campanha (o que não fizeram até agora), tem de mostrar com clareza, com imagens, o importantíssimo trabalho que fez como ministro da Saúde, e não ficar dando sorrisinhos de Papai Noel na TV. O eleitor respeita gente sincera, cortante, corajosa. Ele tem de mostrar as aventuras populistas e falar das acusações que pesam sobre o Russomano, como as supostas ações de falsidade ideológica, a acusação de seu uso indevido da advocacia, seu suposto envolvimento com o Cachoeira.
E mais: ele errou ao subestimar o papelucho que assinou na TV dizendo que não abandonaria a prefeitura. O povo não perdoa o descaso com que tratou o ridículo juramento. Ele tinha, sim, de chamar testemunhas, até religiosos e juristas e, fazendo um pouco o jogo do populismo “midiático”, jurar solenemente diante de todos que jamais largará a prefeitura.
Serra tinha de cumprir sua melhor promessa, quando se lançou em 2010: “Se vierem com mentiras, responderei com verdades”.
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Aí se interligam, como eu aventei acima, análises de mídia e da política. A fórmula do sucesso que Jabor oferece ao PSDB é, paradoxalmente, justamente aquilo que vem fazendo os tucanos perderem tanto: superestimar a inteligência política dos medalhões da mídia. Ao invés de trocarem ideias e experiência nas ruas, com o povo, o PSDB tenta ler a realidade no mundinho fantasioso da mídia corporativa.
Eu já presenciei, várias vezes, casos de delírio profundo entre pessoas mentalmente saudáveis, porque acreditam mais na mídia do que na realidade. Lembro que quando começaram a pipocar pesquisas mostrando a recuperação meteórica da popularidade de Lula, o Globo vivia repleto de missivistas dizendo que “não acreditavam nessas pesquisas porque não conheciam ninguém que gostava de Lula”. Na verdade, a mídia cultivou bolsões de antilulismo, justamente nas áreas mais nobres das grandes cidades. No caso do Rio, a zona sul carioca.
Não vejo nada demais no antilulismo em si. As pessoas tem o direito de não gostarem de Lula, ou mesmo de odiarem Lula. Faz parte da democracia. O que sempre me espantou foi o descolamento da realidade. Confundir o mundinho fechado e sectário de jornalistas, socialites e empresários conservadores com a pluralidade anárquica e imprevisível do povo brasileiro!
Serra está perdendo voto em São Paulo não por causa da incompetência de seus marketeiros. Jabor inicia seu artigo dizendo que se vende candidato como se vende margarina. Não é bem assim. Possivelmente muitas ferramentas do marketing político coincidem com aquelas da publicidade comercial, mas o produto oferecido é totalmente distinto. A comparação é um clichê neolacerdista para desmerecer a política.
Ninguém conseguirá vender bem o candidato tucano porque ele está queimado junto ao eleitor. Alguém poderia lembrar ao Jabor do livro Privataria Tucana, protagonizado por José Serra. Alguém poderia lembrar Jabor das baixarias da campanha de 2010.
Aí o colunista envereda por um raciocínio contraditório. Diz que Serra subestimou “o papelucho” que assinou, comprometendo-se a permanecer na prefeitura por todo o mandato. Mas ao usar o termo “papelucho”, é o próprio Jabor que o subestima. Afinal, não importa a qualidade do papel, e sim o compromisso do candidato. O que vale é a assinatura e a palavra dada, e não se é um papel timbrado em ouro, com o carimbo do Papa. E a sugestão de Jabor, de que Serra chame juristas, religiosos e testemunhas, apenas para firmar um compromisso tão básico como ficar até o fim da gestão, indica que o candidato é tão desacreditado que é preciso trazer o circo inteiro para que seja dado crédito à palavra do palhaço.
As “sugestões” de Jabor revelam, a meu ver:
* Desespero diante da derrota de Serra, o que poderia pôr em risco a hegemonia tucana também no governo do Estado.
* Arrogância infinita, como se ele, Jabor, entendesse alguma coisa de marketing político e eleitoral.
* Falta de entendimento do processo democrático: não são os marketeiros que escondem FHC. É o povo que não gosta de FHC porque o associa ao ambiente recessivo e sem esperança que vivemos na era tucana.
Tivemos ainda, no domingo, mais um artigo udenista de Fernando Henrique Cardoso. Dessa vez, porém, ele recebeu o troco de quem menos esperava. A própria Dilma Rousseff.
A estratégia do PSDB, de fazer oposição ao ex-presidente em vez de fazê-lo à atual gestão, afigura-se insensata, confusa e covarde. Visa apenas disseminar desinformação na opinão pública, jogando com a sua escassa memória. A reação da presidente, todavia, chamando a briga para si, bota os pingos nos is. Se quiserem fazer oposição ao PT, façam ao governo atual.
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