Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
Até o mundo mineral não nutre maior apreço pela figura do delator. A personagem não é simpática, nem mesmo quando sua delação é legalmente premiada. A mídia nativa, somente ela, e quem acredita nela, foge à regra, ao sentimento comum não somente do Oiapoque ao Chuí, mas também de um polo a outro do planeta Terra.
Mídia peculiar, empenhada em enganar seus leitores, a precipitá-los no equívoco a respeito da verdadeira essência e dos alcances da delação. Sem falar do insondável mistério de tantos vazamentos, o que o delator delata terá de ser provado. Exponho o óbvio. Parece-me, porém, que os crentes na mídia, ao lerem as manchetes ou ao ouvirem âncoras, locutores e comentaristas, supõem ler e ouvir a sacrossanta verdade factual.
Coisas de um país que, de muitos pontos de vista, vive uma espécie de Idade Média, como acaba de dizer a presidenta Dilma Rousseff, a reforçar o vetusto e insubstituível conceito: in dubio pro reo. A imprensa da quarta 1º de julho, a mesma que remeteu enviados especiais a Washington para produzirem provas excelentes (eles, sim) do estágio patético da nossa mídia (leia a reportagem à página 28), esmeraram-se em críticas e outros azedumes às declarações de Dilma sobre a Lava Jato, conduzida, de fato, ao sabor de um cardápio de arbitrariedades variadas.
A presidenta tem todo o direito de dizer o que pensa a respeito do delator, como númeno e como fenômeno, e a mim agradou bastante que, ao falar do seu passado na luta armada, evocasse quantos não foram delatores mesmo sob tortura. Houve um colunista, disposto a ironizar Dilma “por confundir o STF com o DOI-Codi”. Se a comparação for possível, cabe dizer que a masmorra dos torturadores foi mais coerente com a ferocidade da ditadura civil-militar do que a atual Suprema Corte, tão escassamente parecida com as similares do mundo civilizado, em relação a um regime democrático. Ali a política pesa mais que a Justiça, e não faltam provas a respeito.
Sei que, ao tecer tais considerações, corro o risco de ser tachado de dilmista, lulopetista, bolivariano. Ocorre que a mídia nativa, intérprete do reacionarismo à brasileira, não perdoa a singular presença de praticantes do jornalismo honesto. No caso de CartaCapital,sofremos os ataques dos sabujos do baronato midiático, simplesmente porque apoiamos as duas candidaturas do PT à Presidência da República. Definir a posição tão logo comece oficialmente a campanha eleitoral, além de ser ato comum na mídia de países democráticos e civilizados, é próprio do jornalismo honesto, em lugar de uma isenção diuturnamente desmentida.
Dados da SECOM
A bem da verdade factual, o acima assinado manifesta-se a favor da candidatura de Lula desde as primeiras Diretas pós-ditadura, onde quer que estivesse nas minhas andanças profissionais. Nem por isso CartaCapital deixou de criticar o governo do metalúrgico, no primeiro e no segundo mandato. Lamentamos, logo de saída, a escolha de Henrique Meirelles para o Banco Central ou, mais tarde, a entrada dos transgênicos na lavoura nacional. Por ocasião do enterro da Satiagraha e na condução do Caso Battisti. E não escondemos os envolvimentos em mazelas variadas de dois dos seus mais importantes ministros, José Dirceu e Antonio Palocci. De Lula, no entanto, valeram muito mais seus notáveis méritos. Em primeiro lugar, a política social e a internacional.
Ao apoiá-lo em 2002, víamos nele o único, autêntico líder popular brasileiro, e assim o vemos até hoje. Ao apoiar Dilma em 2010, a entendemos capaz de levar adiante a linha definida por Lula. Mas não deixamos de ser críticos do seu primeiro governo e, sem meios-termos, do PT: desde os tempos de Lula presidente, condenamos o partido por igualar-se aos demais, depois de ter sido, na oposição, uma forte esperança de resgate da senzala.
Dilma foi também criticada em diversas oportunidades: pela escolha de certos ministros, pela formulação de um código florestal que favorece os latifundiários, pelo abrandamento do tom e do estilo da política exterior, pelos numerosos erros da política econômica, pela falta de apetite da própria presidenta por uma atuação política destinada a facilitar o diálogo com o Congresso e com o empresariado. Mesmo assim, confirmamos nosso apoio ao seu segundo mandato, como alternativa exclusiva ao PSDB, partido da reação.
Hoje sublinho que o próprio Lula confirma nossas críticas a Dilma e ao PT, ela descumpridora das promessas da campanha, o partido cópia dos demais. Faço questão de acentuar que nunca fui filiado a qualquer agremiação política e que a amizade pessoal com Lula me honra e me alegra faz 38 anos. Recordo que, recém-empossado, o velho amigo me chamou a Brasília para uma conversa a respeito de assuntos públicos e privados.
Falamos também da publicidade dita governista, assunto significativo para quem fora praticamente ignorado pelo governo de Fernando Henrique e seu solerte ministro Andrezinho Matarazzo. Disse então a Lula: “Não peço favores, basta a isonomia”. E isonomia foi. De pouco mais de 500 mil reais em 2001, quando a revista passou em agosto de quinzenal para semanal, e de pouco mais de 1 milhão em 2002, avançamos para 4 milhões em 2003. Enquanto isso, naquele mesmo ano, Veja recebia 40 milhões. Época, 13, IstoÉ, 10. Trata-se de dados que a Secom acaba de divulgar.
A contribuição mais rica do financiamento estatal ao ódio antigovernista, para Veja deu-se em 2009, com 43,7 milhões, para Época em 2010, com 19. Sem contar a desbordante injeção de recursos aos cofres da Globo. No quadro acima, a média anual da publicidade estatal nas quatro semanais, de 2002 a 2013, mostra que nunca fomos favorecidos.
Nada disso nos poupou das agressões de quantos apontam CartaCapital como revista “chapa-branca”. Nada de surpresas: no país da casa-grande e da senzala, jornalista honesto é, automaticamente, lulopetista, dilmista, bolivariano. Aqui deste lado, entendemos que nossa existência, e de outros respeitáveis praticantes do jornalismo honesto, minora as lacunas da pretensa democracia brasileira.
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