Editorial do sítio Vermelho:
O discurso de Dilma Rousseff na abertura da Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira (24), que tradicionalmente cabe ao Brasil, foi o pronunciamento de uma estadista consciente de seu papel de dirigente de uma nação cuja influência cresce no mundo por ser portadora da defesa da paz, da diplomacia, da convivência pacífica entre os povos do mundo.
Foi um discurso firme; uma reprimenda severa com palavras precisas, ao governo dos Estados Unidos pela espionagem criminosa feita pela Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana. Falou de igual para igual aos governos do mundo. E ao presidente estadunidense Barack Obama, em particular, cujo governo ela acusou de violar os direitos humanos, em nome dos quais hipocritamente o imperialismo estadunidense promove intervenções militares e guerras. A espionagem foi uma dupla violação, disse Dilma: da soberania brasileira e dos demais países onde ocorreu; foi também um atentado contra os direitos humanos.
Ela afronta, disse a presidenta brasileira, o direito internacional e “os princípios que devem reger as relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas”. Uma soberania não pode firmar-se em detrimento de outra, afirmou. “Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e civis fundamentais dos cidadãos de outro país”.
Sendo um país democrático que convive pacificamente com seus vizinhos há mais de 140 anos (desde o fim da Guerra do Paraguai, que terminou em 1870), o Brasil, disse ela, rejeita o uso desse tipo de recurso mesmo na luta contra o terrorismo.
Para resistir a esse tipo de intervenção criminosa de um país contra outro, ela garantiu que seu governo fará tudo pela proteção dos direitos humanos dos brasileiros e “de todos os cidadãos do mundo”, e para proteger “os frutos da engenhosidade de nossos trabalhadores e de nossas empresas”. Nesse sentido, defendeu a criação de regras multilaterais para regular o uso da internet e garantir a “efetiva proteção dos dados que por ela trafegam”, preservando a liberdade de expressão, a privacidade dos indivíduos e o respeito aos direitos humanos e a neutralidade da rede, sem “restrições por motivos políticos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza”.
Dilma Rousseff também tratou de outros temas, alguns de interesse mundial. Referiu-se às manifestações de junho, no Brasil, como parte do avanço democrático ao qual os governos populares e democráticos da última década não são estranhos. “Nós viemos das ruas”, disse; fomos formados “no cotidiano das grandes lutas do Brasil”, e concluiu com ênfase: “a rua é o nosso chão, a nossa base”. Defendeu o desenvolvimento econômico e lembrou o empenho de seu governo pela conquista de padrões de bem-estar mais elevados para os brasileiros. Condenou qualquer saída militar ou armada para a crise da Síria; para ela, a “única solução é a negociação, o diálogo, o entendimento”. Reiterou a defesa da criação do Estado Palestino independente e soberano. E, principalmente, defendeu a urgente reforma da ONU e a ampliação do Conselho de Segurança que estão desatualizados e defasados em relação à realidade mundial atual. Será uma “derrota coletiva” se o mundo “chegar a 2015 sem um Conselho de Segurança capaz de exercer plenamente suas responsabilidades no mundo de hoje”.
Mas o ponto magnético do discurso de Dilma Rousseff, que atraiu a atenção mundial, foi a denúncia, feita em termos enérgicos, da espionagem dos EUA.
Obama fez um discurso xoxo e constrangido. Repetiu alegações anacrônicas e necrosadas da ideologia dominante nos EUA. Titubeou ante as acusações feitas por Dilma Rousseff sobre a espionagem. Manteve ameaças à Síria e ao Irã. Defendeu o uso da “inteligência” (isto é, da espionagem), alegando a busca de equilíbrio entre segurança nacional e privacidade. Fez uma observação temerária e pouco crível a respeito da situação do mundo ao alegar que, em “resultado desse trabalho e em cooperação com os nossos aliados, o mundo está mais estável do que estava há cinco anos”. Estável onde, neste momento em as ações agressivas do imperialismo dos EUA constituem a principal ameaça à paz mundial?
Sobretudo, Barack Obama repisou argumentos da lenda anacrônica do “destino manifesto”, uma ideologia da classe dominante dos EUA que disfarça a defesa de seus interesses com o biombo da promoção e difusão da democracia e da “civilização” no mundo.
Em nome deste “destino manifesto” os EUA semearam, desde o século 19, agressões contra a independência e a soberania de povos e nações. Vestindo a maltrapilha sotaina do direito divino que inspira toda teocracia, Barack Obama reafirmou o “dever” que os EUA teriam (por missão divina?) de policiar o mundo; defendeu toda intervenção militar alegando que fazem parte do combate a “atrocidades em massa”. Intervenções que, autorizadas por aquele “destino manifesto”, podem ser feitas, supõe ele, ao arrepio do direito internacional. “A soberania não pode ser um escudo para tiranos cometerem um assassinato, ou uma desculpa para a comunidade internacional não agir”, disse.
Este embate indica a absoluta pertinência de uma das advertências feitas por Dilma Rousseff: o unilateralismo foi a causa das guerras e é, ainda, fonte de insegurança para os povos e nações.
Fora dois discursos antagônicos. Dilma, representando uma nação cuja influência mundial cresce justamente devido à busca da paz e da convivência pacífica e harmônica entre os povos, falou como a estadista que é.
Obama, dirigente de uma nação de poder ainda imenso mas em declínio, falou como o chefe da nação que é hoje a principal ameaça à paz no mundo.
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