As duas batalhas no Brasil de hoje
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As duas batalhas no Brasil de hoje


Por Emir Sader, no sítio Carta Maior:

Em meio a tanta dispersão imposta pelas manchetes da mídia, não fica claro para os brasileiros, quais são as batalhas centrais que o país tem que enfrentar nestes anos. A nova tendência no país, gerada na década passada e que se estende nesta, é a existência de uma nova maioria política no Brasil. Se a reeleição do Lula poderia obedecer a uma tendência a reeleger um presidente – como no caso de FHC -, a eleição da Dilma apontou para esse novo fenômeno: classes populares emergentes se constituíram no eixo de uma nova maioria politica, que elegeu e reelegeu o Lula e que elegeu a Dilma (apontando, com grande previsão de se confirmar, sua reeleição).

Por outro lado, as dificuldades para se articular oposição ao governo, com partidos enfraquecidos, tanto à direita, quanto à esquerda, confirmam a hegemonia do projeto encarnado pelos governos Lula e Dilma. O núcleo opositor ao governo se concentra na mídia privada que, conforme confissão de uma diretora da associação que os congrega, substituem aos enfraquecidos partidos opositores.

Mas esse projeto político vencedor tem grandes desafios pela frente, frequentemente obscurecidos para a grande maioria dos brasileiros, pela ação dispersiva da mídia, que insiste em buscar que a atenção das pessoas se concentre em irregularidades da gestão pública. O objetivo é desqualificar tudo o que tenha a ver com Estado, para tentar, por oposição, projetar o desmoralizado mercado e as empresas privadas que tem nele seu território privilegiado.

No entanto, o Brasil tem, entre tantas tarefas, duas que se configuram, no governo Dilma, como as mais importantes. A primeira, a elevação do ritmo de crescimento da economia e de extensão das políticas sociais, mesmo em meio aos efeitos negativos da dura recessão no centro do capitalismo. É uma proeza, mas hoje já possível, devido ao dinamismo de economias do Sul do mundo, mostrando que já existe um mundo multipolar. Sofremos os efeitos da recessão na Europa, nos EUA, no Japão, mas não são mais suficientes para arrastar-nos à recessão junto com eles.

Para isso o governo tem que zelar, antes de tudo pelos fatores que pesam sobre a nossa economia, impedindo que o ritmo de crescimento econômico seja baixo como em 2011, possa se elevar acima de 4%, oxalá acima de 5%, condição da manutenção e expansão das políticas sociais, que permitam que o governo cumpra com o maior os seus compromissos: terminar com a miséria até o final deste mandato.

A outra tarefa central é a de apoiar todos os mecanismos que permitam que a sociedade brasileira deixe de ser dominada pelos valores mercantis, egoístas, individualistas, que acompanharam a instalação do modelo neoliberal no nosso país. Que o acesso justo a bens de consumo, antes sempre negados à grande maioria, possa satisfazer suas necessidades antes reprimidas, mas que a consciência social das razoes pelas quais essas conquistas se tornam realidade possibilite que seja acompanhado dos valores da solidariedade, da cooperação, da fraternidade, do humanismo.

O neoliberalismo projetou a ideia de que a ascensão social tem que se dar necessariamente através da disputa selvagem no mercado de uns contra os outros. Como diminuíam os recursos disponíveis e as oportunidades, a visão malthusiana predominava. (Até agora um partido de direita da Catalunha fazia sua propaganda eleitoral egoísta com o lema: Não há para todos, para propagar que não se deveriam aceitar imigrantes na Espanha.) O famoso “Farinha pouca, meu pirão primeiro.”

As políticas redistributivas dos governos Lula e Dilma, que têm mudado, pela primeira vez, a desigualdade social no Brasil, diminuindo-a, respondem a direitos da massa da população, ate então marginalizadas do acesso a bens fundamentais. São resultado de uma mentalidade diferente, que reconhece o direito de todos e não apenas a capacidade de alguns de se sobrepor aos outros. Se governa para todos, se colocam os recursos arrecadados pelo Estado a serviço de todos. Antes se governava para um terço da sociedade, bastava a demanda desses setores mais ricos para alimentar uma economia que produzia prioritariamente para eles.

Para que novos valores predominem, as grandes camadas populares emergentes são essenciais, porque são elas que agora têm acesso a bens que antes lhes estavam vedados. A geração e socialização de novos valores, coerentes com as políticas governamentais atuais, requer um processo de democratização na formação da opinião pública, quebrando-se o monopólio privado, que bloqueia o processo democrático de informação e de difusão de valores solidários.

Mas requer também a articulação de políticas educativas e de cultura, que cheguem aos rincões mas distantes do país, à todas as escolas, espaços culturais, à vida comunitária da população mais pobre, incorporando-a não apenas ao circuito do consumo, mas também fazendo delas os maiores agentes de valores democráticos e solidários. Aqui se disputa a consolidação dos avanços conquistados, transformando a nova maioria politica em maioria ideológica, mediante a consciência social de todos.




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