AS LOUCURAS QUE UMA COPA NOS PROPORCIONA
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AS LOUCURAS QUE UMA COPA NOS PROPORCIONA


Capitão América em Salvador, depois de EUA ser derrotado pela Bélgica

Não contei a vocês, só ao pessoal do Twitter: na quinta à tarde, tive que sair um pouquinho de casa, coisa rápida mesmo. O Benfica, lugar onde trabalho e moro em Fortaleza, estava agitado, com helicópteros sobrevoando o tempo todo. É que a seleção brasileira estava treinando no estádio perto de casa. 
Quando eu estava voltando pra casa, a pé, parei na farmácia. E, ao sair de lá, quem passa bem na minha frente? O capitão Thiago Silva! Deu pra vê-lo no carro claramente. Ele estava sorrindo. Foram só alguns segundos, mas sei que tem gente que fica na rua esperando só o ônibus da seleção passar (e aí não dá pra ver nada), e eu, sem querer, em 40 minutos de saída, vi o Thiago. Não sou supersticiosa, mas ontem escrevi no meu Twitter, antes do jogo começar:

E o resto vocês já sabem: Thiago Silva fez seu primeiro gol na Copa, aos sete minutos.

O que vocês não sabem, porque só meu marido e minha mãe viram, é que, antes do David Luiz cobrar, eu disse "Agora vai sair o segundo gol". Ontem eu estava impossível!
Mas eu não podia prever de jeito nenhum que o Neymar ficaria fora da Copa. Ainda estou arrasada. Ontem também me enchi de tristeza com os comentários racistas e xenofóbicos que muita gente disparou contra o Zuñiga, que fez a falta desleal em Neymar. 

Quero muito que Zuñiga seja punido exemplarmente (como foi o mordedor Suarez, do Uruguai) -- mas pela Fifa, não pelos linchadores de plantão. E também quero que a Fifa puna o árbitro, que teve responsabilidade nisso tudo. Se, antes, ele tivesse dado cartão amarelo a Zuñiga, quando ele entrou com a chuteira no joelho do Hulk, é bem capaz que Neymar não estivesse fora da Copa agora. 
Talvez seja heresia falar isso, mas acho que Thiago Silva fará mais falta ao time (e foi injusto ele ter recebido o cartão amarelo: ele estava voltando, nem viu o goleiro, esbarrou contra ele, não foi proposital) que Neymar, que não jogou bem ontem. Se a gente passar pela Alemanha na terça (e acho que a gente vai passar, apesar de tudo, apesar do Fred), a gente ganha a final. 
E eu gostaria muito que a final fosse entre Brasil e Argentina no Maracanã, pra exorcizar de vez todos os nossos fantasmas futebolísticos! (mas acho mais provável que seja Brasil x Holanda. Torcendo com tudo pela Costa Rica hoje!).
Bom, essa vasta introdução foi só pra dizer que o futebol (soccer) está cativando cada vez mais gente nos EUA. Capitalisticamente falando, isso é muito importante, já que os EUA são o maior mercado consumidor do mundo. E o futebol feminino já conquista corações e mentes por lá faz tempo. 
A direita cristã odeia o soccer
Não sei se é porque lá nos EUA o esporte é visto como feminino, não sei se é porque é uma modalidade que não permite muitas inserções comerciais (45 minutos de jogo corrido? Compare com o futebol americano, que tem mais publicidades que jogo). Mas o fato é que grande parte da direita americana considera o soccer um esporte -- ha ha, sério -- comunista! E durante a Copa essa gente fica ainda mais possessa. 
Capa de jornal quando EUA foram eliminados da Copa de 2010
Pedi pra querida Elis (que, por coincidência, acabou de voltar de uma viagem a Colômbia) para traduzir os trechos abaixo sobre algumas das besteiras que a direita americana vem falando sobre o soccer. O artigo completo, da Salon, inclui mais momentos idiotas dos americanos de direita -- que, aliás, são muito admirados pelos brasileiros de direita. Vamulá: 

1. Ann Coulter: O futebol representa tudo o que há de errado no mundo, e agora nos Estados Unidos.
Você pode não ligar para futebol. Pode não ter sido acometido pela febre da Copa do Mundo. É provável que, se você estiver entre as pessoas que não têm nenhum prazer especial em assistir ao esporte, a existência e a popularidade da Copa do Mundo não o deixem louco. 
Multidão de torcedores nos EUA
Bem, elas deixam Ann Coulter completamente louca, de um jeito hilário. Nesta semana, ela escreveu uma coluna que era basicamente um libelo desequilibrado contra um esporte que ela vê como estrangeiro, imoral, socialista, feminino, não-americano e que, na verdade, em última instância, nem é um esporte [na quarta ela escreveu uma segunda parte].
Torcida americana no Rio durante a
Copa 2014
Ela começa dizendo que adiou muito escrever sobre futebol “para não ofender ninguém”. Essa foi ótima, já que Coulter ganha a vida, e muito bem, ofendendo as pessoas. Bastante intencionalmente.
“Qualquer aumento no interesse pelo futebol só pode ser um sinal da decadência moral do país.” E lá vai ela fazer o que faz melhor, dar sua opinião histérica, direitista, comicamente ofensiva e louca.
Família do Tom Hanks torcendo
pelos EUA na Copa
Coulter tem muitos problemas com o futebol, que incluem algumas coisas com as quais pessoas razoáveis podem concordar, como o fato de que um jogo que às vezes acaba em um empate sem pontos talvez não seja o evento esportivo mais empolgante do mundo. Pode-se argumentar que um no-hitter no beisebol é um grande acontecimento esportivo nos Estados Unidos, embora seja bem sem graça para os espectadores. Mas não há nada de não-americano nisso.
Mas os problemas de Coulter com o futebol são, em última instância, os mesmos sentimentos nacionalistas que permeiam toda a sua visão de mundo. É estrangeiro, é apreciado por pessoas que não falam inglês, emprega o sistema métrico e parece agradar os liberais. Além disso, poucas pessoas saem carregadas do campo de futebol em ambulâncias e meninas são encorajadas a jogar quando são jovens, ou seja, “não é um esporte”.
Estádio do Dallas Cowboys lotado
para ver o jogo de futebol entre
EUA e Bélgica
“Eu não gosto do aspecto forçado do futebol”, ela escreve. “As pessoas que estão tentando forçar os americanos a gostarem de futebol são as mesmas que querem nos obrigar a gostar de Girls na HBO, do VLT, de Beyoncé e Hillary Clinton. O número de artigos no New York Times que falam que o futebol está ‘ganhando espaço’ só é ultrapassado pelos artigos que falam que basquete feminino é fascinante.”
E, por fim, quanto à decadência moral, acho que todos podemos concordar quanto a quem é responsável pela decadência dos padrões morais nos Estados Unidos. (Correto. Políticos de direita, articulistas da Fox News, republicanos e provocadores como Ann Coulter são responsáveis pelo declínio dos padrões éticos dos Estados Unidos. Imigrantes esforçados e trabalhadores que cuidam de suas famílias, nem tanto.)
Coulter conclui:
"Se mais 'americanos' estão assistindo ao futebol hoje, o único motivo é a mudança demográfica causada pela lei da imigração de Teddy Kennedy, de 1965. Eu juro: nenhum americano cujo tataravô nasceu aqui está acompanhando o futebol. Só podemos esperar que, além de aprender inglês, esses novos americanos larguem seu fetiche pelo futebol com o passar do tempo."

2. Keith Ablow da Fox: A Copa do Mundo é uma trama maliciosa de Obama para que todos nos transformemos em maconheiros.
Mais um na escala da loucura, talvez até mais alto que Coulter, que apesar de tudo aponta racionalmente alguns aspectos que podem fazer o futebol ser meio chato.
“Por que estamos vendo o interesse pelo futebol crescer tanto de repente?” Keith Ablow se preocupou na FOX nesta semana. “Por que estamos tão prontos para esse entretenimento?”
É um sinal preocupante. Pessoas em busca de entretenimento! Deve ser algo apocalíptico. As pessoas nunca buscavam entretenimento quando republicanos eram presidentes.
Para Ablow, é tudo conveniente demais. “Eu sou suspeito”, disse ele, sentado no sofá com um grupo de mulheres da Fox que estavam todas meio empolgadas com a Copa do Mundo e não viam nenhum mal nela. “O problema é o seguinte”, e Ablow começou o sermão. 
Torcedor americano indo pro
Maracanã
“Por que, em um momento em que há tantos problemas nacionais e internacionais de tanta proeminência, estamos tão prontos para sermos distraídos? Eu suspeito de que seja mais um exemplo do pão e circo. Quer dizer, vamos bolar um baseado. Vamos ignorar as leis… Tudo para distrair o povo. É como em Roma. Eu entendo porque Obama ama a Copa do Mundo.”
Não, não, doutor Ablow, Obama não só ama a Copa do Mundo. A Copa do Mundo faz parte do plano covarde dele para tomar o controle e transformar o país em uma república muçulmana, socialista e maconheira e escravizar os católicos brancos.
As mulheres ficaram pasmas. Ablow acabou com a diversão delas. Talvez seja hora do doutor estraga-prazeres ir a um psiquiatra para entender todas as teorias da conspiração deprimentes que revolvem em seu cérebro. Ah, é, ele é psiquiatra.
Que alívio!

UPDATE! Como eu disse, Ann Coulter escreveu um segundo artigo para atacar o futebol e quem a criticou por criticar o futebol (e, claro, a xenofobia e machismo de Ann). Entre esses alvos está um jornalista esportivo do Washington Post, que depois chamou Ann, no Twitter, de "única mulher misógina nos EUA" (certeza que existem muitas outras!). 
Mas o interessante foi que ele escreveu algo meio profético: "Para ser um esporte realmente admirável, você tem que correr o risco de sofrer danos na espinha toda vez que você entra em campo". Taí. Finalmente, graças ao que Zuñiga fez com Neymar, o futebol é um esporte admirável.




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