Em entrevista ao Diário do Centro do Mundo, Mirian Dutra, ex-jornalista da TV Globo com quem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) teve um relacionamento extra-conjugal, disse que em 1997 estava cansada de ficar na "geladeira" na sucursal da empresa em Portugal. Quis ir para a sucursal de Londres, mas a rejeitaram. Disse ao então diretor de jornalismo da TV Globo, Evandro Carlos de Andrade, que a escalassem para trabalhar no Brasil ou pediria demissão. Segundo ela, Evandro disse a subordinados: "Ninguém mexe com essa mulher. Ela mostrou que tem caráter".
Porém, os planos de Mirian de voltar ao Brasil chegaram aos ouvidos de Luís Eduardo Magalhães, na época presidente da Câmara dos Deputados, eleito pelo extinto PFL, de quem ela diz ter sido amiga desde antes de conhecer FHC. O deputado a convidou para um almoço, levou o pai, ex-senador Antônio Carlos Magalhães (também PFL-BA), que lhe disse não ser hora de voltar, pois FHC disputaria a reeleição e ela deveria ter paciência. "Foi quando entendi que eu deveria viver numa espécie de clandestinidade", disse Mirian.
Então decidiu comprar um apartamento em Barcelona e ir para lá, como contratada da Globo. A empresa topou mas, mesmo pagando a ela um salário de € 4 mil (cerca de R$ 18 mil), jamais a acionou, nem aprovou ou exibiu qualquer pauta sua em muitos anos.
– Me manter longe do Brasil era um grande negócio para a Globo. Minha imagem na TV era propaganda subliminar contra Fernando Henrique e isso prejudicaria o projeto da reeleição.
– Mas o que a empresa ganhou com isso?
– BNDES.
– Como assim?
– Financiamentos a juros baixos, e não foram poucos.De fato, o TCU abriu processo de tomada de contas para investigar favorecimento à Net Serviços (operadora de TV a cabo criada pelo Grupo Globo e vendida depois para o grupo mexicano de Carlos Slim). O relatório TC 005.877/2002-9 analisou o período de 1997 até o início de 2002 e concluiu que o BNDES repassou 2,5 vezes mais dinheiro para o Grupo Globo do que o repassado para outras empresas do mesmo ramo que pleitearam empréstimos junto ao banco público.
Ou seja, a cada R$ 3,50 liberados pelo BNDES, R$ 2,50 foram para a Globo, restando portanto apenas R$ 1 para todas as concorrentes do mesmo ramo.
Eis trechos do relatório:
Não são apenas os valores que chamam atenção no caso FHC-Globo-BNDES. Foram quatro empréstimos "estranhos" e manobras contábeis em menos de um ano.
O Grupo Globo tinha uma holding chamada Globopar, que controlava duas outras empresas Roma Participações (Romapar) e Distel Holding. Estas duas, por sua vez controlavam a Net Serviços (que passou a ser o novo nome da Globo cabo).
Mas para que serve essa estrutura em camadas como cascas de cebola, que para leigos (como a maioria de nós) só complicam, além de aumentar custos e impor uma burocracia desnecessária? Uma hipótese é obter empréstimos para as diferentes empresas que não poderia ser obtidos se fossem uma só. Por exemplo, quando a Globo Cabo já estava endividada, a Romapar ainda continuava tomando empréstimos.
Outra hipótese é que os empréstimos à Romapar ficavam no balanço da própria Romapar, tornando o balanço da Globo Cabo menos "assustador".
Em 1997, ano do almoço de Mírian Dutra com ACM, o BNDES fez dois empréstimos para a Romapar recebendo, em garantia, caução em ações da Globo Cabo. Fez mais empréstimos em 1998, no mesmo dia 31 de março. Foram, como dissemos, quatro contratos de empréstimos em menos de um ano.
Por que o BNDES não emprestou diretamente à Globo Cabo?
E um banco de fomento como o BNDES, cuja missão é prover capitais para projetos (frise-se, de desenvolvimento econômico e social) de longo prazo, por que fazer quatro contratos de empréstimos para a Romapar no prazo de um ano? Um projeto financeiro maduro e de longo prazo deveria ser bem planejado e resolvido com um só empréstimo.
Talvez as explicações para estas e tantas outras questões se encontrem no caso Mirian Dutra.