É muito cinismo. Primeiro que, óbvio, não seria nada bom viver num mundo como o do comercial. Pra começar, não há homens! Eu odiaria viver num mundo sem eles. Segundo, não há negras. Nem orientais. Nem pessoas de meia-idade, nem de terceira idade. Ou com um tipo físico diferente. Viver num mundo uniformizado, igual, geralmente é o pior pesadelo de distopias (as utopias negativas) como Admirável Mundo Novo e 1984. Quanto a isso, não há dúvida. As diferenças são ótimas. Mas o que isso tem a ver com beleza?
Beleza é um conceito subjetivo. Indústrias como o Boticário e tantas outras não estão nem um pouco interessadas em “acreditar na beleza” diferente. Muito pelo contrário. Quem nos padroniza, se não a indústria da moda e da beleza? Quem diz que só mulher com tantos quilos pode ser bonita? Que só mulher com tal cabelo (liso, loiro) pode ser bonita? Que só mulher até certa idade pode ser bonita? Até parece que temos a escolha de “envelhecer graciosamente”. As meninas hoje já começam a usar cremes pra alisar a pele na adolescência. E, pra uma certa classe social, o direrente, o revolucionário, é não fazer plástica. Porque todo mundo faz. Porque todo mundo precisa fazer. É ofensivo que uma propaganda venha reclamar da padronização e de como o mundo seria ruim se todas fossem fisicamente idênticas. Como se a gente não soubesse!
A indústria da beleza quer é vender, pura e simplesmente. Mas, pra isso, precisa criar um clima que diga que a gente é feia e errada se não comprar batom, cílios postiços, creme, tinta pra cabelo, salto alto, tal roupa, tal plástica. A indústria da beleza nos diz, diariamente, várias vezes por dia, como somos horríveis. Mas como a beleza está ao nosso alcance. Não será barato (se fosse só passar batom...), nem fácil, nem indolor. Mas estamos prontas pra passar nossa existência inteira achando que correr atrás de um padrão inatingível é o nosso ideal de vida. Isso não tem nada a ver com beleza. Tem a ver com consumo. Tudo que o comercial diz é que seria horrível um mundo em que as mulheres não usassem maquiagem, roupas, saltos altos, e cortes de cabelo caros, porque a gente, do Boticário, iria viver do quê?
Se bem que não seria tão terrível viver num mundo em que nosso único trabalho fosse quebrar e queimar sapatos de salto alto. Quantas horas por dia, durante quantos dias, a gente precisaria trabalhar pra acabar com os sapatos? Pena que a gente ficaria sem trabalho logo. Mas, pra mulher, como a gente sabe, trabalho é secundário.
Viver num mundo sem espelhos seria ruim também. Não tanto por causa dos espelhos em si, mas do clima opressivo e da proibição de não podermos fazer algo tão simples como ver nossa imagem. Imagina o horror que seria viver num mundo em que há comida suficiente e acessível, mas mulheres preferissem viver com fome pra perder uns quilinhos? Puxa, não quero nem pensar!
Me acordem quando fizerem um comercial em que uma mulher não precise emagrecer, usar batom e salto alto pra ser considerada bonita. Ou pra ser feliz.
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