Caridade com chapéu alheio - EDITORIAL O ESTADÃO
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Caridade com chapéu alheio - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 28/04

Desde o grande terremoto que devastou o Haiti, em 2010, o Acre se converteu na principal porta de entrada de um significativo fluxo de imigrantes haitianos ilegais. O direito internacional e a lei brasileira não reconhecem esses clandestinos como refugiados - e, portanto, como candidatos a visto permanente. Mas o governo federal petista criou instrumentos para regularizar a presença deles no País e decidiu não repatriar aqueles que entram de forma irregular, o que serve como um convite para a imigração em massa. Já chegam a 20 mil os haitianos que ingressaram no Brasil pelo Acre. Como as cidades acrianas que os receberam não têm condições de suportar esse aumento populacional, o governo estadual encontrou uma forma simples de resolver o problema: enviar os haitianos para outros Estados.

Nas últimas semanas, 400 deles chegaram a São Paulo - sem nenhum aviso prévio por parte do governo acriano, que financiou as viagens, feitas inclusive em aviões da Força Aérea Brasileira. A maioria procurou a ajuda de parentes e amigos que já vivem na capital paulista, mas 100 deles pediram abrigo na Casa do Migrante, no Glicério. Mantido pelos padres da Igreja Nossa Senhora da Paz, o local tem capacidade para apenas 100 pessoas. A situação dos imigrantes é, portanto, precária.

Com razão, a secretária paulista de Justiça e Defesa da Cidadania, Eloisa de Souza Arruda, se mostrou indignada. Chamou de "desleal" o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, por não tê-la informado antes sobre o embarque dos haitianos. "Esse secretário Nilson Mourão não procurou seu equivalente em São Paulo, que, por acaso, sou eu, para providenciar os cuidados adequados. Procurou o padre da pastoral e avisou que 'alguns' haitianos chegariam aqui. Chegaram 400", queixou-se Eloisa. Para ela, "nos padrões internacionais, isso poderia ser classificado como deportação forçada".

Como resposta, o governo acriano, que é do PT, apontou um "viés político" na reação da administração tucana de São Paulo. Para o secretário Mourão, os paulistas tentam "transformar um problema humanitário, de tão fácil solução para o Estado mais rico da Federação, em uma crise". Já o governador Tião Viana preferiu dizer, numa argumentação rasteira, que a reclamação é fruto de racismo da "elite paulista", que quer "assegurar seu território livre de imigrantes do Haiti".

Ao contrário do que dizem os petistas, o problema não se resolveria com a caridade do "Estado mais rico" do País. A situação chegou ao ponto atual graças à inabilidade do governo federal. Em lugar de lidar com os imigrantes ilegais conforme a legislação em vigor, segundo a qual o deslocamento por desastre natural não configura motivo para a concessão de visto de refugiado, a administração petista inventou um instrumento improvisado chamado "visto humanitário".

A intenção do governo era mostrar que o Brasil, na era petista, era diferente dos países ricos, que expulsam os imigrantes ilegais. Mas o golpe de propaganda não funcionou. As exigências para obter o tal visto são tantas - passaporte em dia, atestado de bons antecedentes, comprovante de residência e o pagamento de uma taxa de US$ 200, além de um mês de espera para que a documentação seja emitida - que a maioria dos haitianos que pretendem vir ao Brasil prefere pagar aos "coiotes" no Peru e no Equador para ajudá-los a entrar clandestinamente no País.

Como a situação no Acre tornou-se insustentável graças a essa política tão marqueteira quanto desastrada, o governo petista local preferiu a solução "provisória, paliativa e descoordenada", nas palavras de Camila Asano, da ONG de direitos humanos Conectas: livrar-se dos imigrantes.

A crise gerada pela imigração em massa dos haitianos no Norte do Brasil não pode ser agravada por políticas irresponsáveis dos governos envolvidos. É preciso ter consciência dos deveres humanitários, mas também é preciso saber que as leis que limitam a entrada de estrangeiros devem ser cumpridas, pois o preço a ser pago pela leniência travestida de solidariedade é rateado por toda a sociedade.




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