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Chega de cinismo - CARLOS ALBERTO DI FRANCO
O Estado de S.Paulo - 17/03
Recentemente, depois de uma conversa com estudantes em São Paulo, fui abordado por um universitário. Leitor voraz, inteligente e apaixonado, seus olhos emitiam um sinal de desalento. "Deixei de ler jornais", disse de supetão. "Não adianta o trabalho da imprensa. A impunidade venceu." Referia-se à vitória dos mensaleiros no Supremo Tribunal Federal (STF). Confesso, caro leitor, que meu otimismo natural estremeceu. Não se tratava do comentário de alguém situado no lusco-fusco da existência. Não. Era o diagnóstico de quem está nascendo para a vida.
Por uns momentos, talvez excessivamente longos, uma pesada cortina toldou meu espírito. Acabei reagindo, pois acredito na imensa capacidade humana de reconstruir a ordem social. Estou convencido de que os países construídos sobre os valores da verdade e da liberdade têm demonstrado maior capacidade de superação. E o Brasil, não obstante os reiterados esforços de implosão da verdade (a mentira e o cinismo tomaram conta da vida pública) e de destruição da liberdade (a desmoralização programada das instituições democráticas e a transformação das imensas massas de excluídos em instrumentos do marketing populista), ainda conserva importantes reservas éticas. Escrevo, por isso, aos homens de bem. Eles existem. E são mais numerosos do que podem imaginar os voluptuosos detentores do poder.
Escrevo aos políticos que ainda acreditam que a razão de ser do seu mandato é um genuíno serviço à sociedade. Escrevo aos magistrados, aos membros do Ministério Público, aos policiais, aos servidores do Estado. Escrevo aos educadores, aos estudantes, às instituições representativas dos diversos setores da sociedade. Escrevo aos meus colegas da imprensa, depositários da esperança de uma sociedade traída por suas autoridades. Escrevo aos pais de família. Escrevo, enfim, ao meu jovem interlocutor. Quero justificar as razões do meu otimismo. Faço-o agora.
O Brasil está, de fato, passando por uma profunda crise ética. A corrupção, infelizmente, sempre existirá. Ela é a confirmação cotidiana da existência do pecado original. Mas uma coisa é a miséria do homem e outra, totalmente diferente, é a indústria da corrupção. Esta, sem dúvida, deve e pode ser combatida com os instrumentos de uma sociedade democrática.
A simples leitura dos jornais oferece um quadro assustador do cinismo que se instalou nas entranhas do poder. Os criminosos, confiados nos precedentes da impunidade, já nem se preocupam em apagar suas impressões digitais. Tudo é feito às escâncaras, num processo programado de corrosão da democracia. Valores e princípios são mandados para o espaço. O que importa é não soltar o poder. Os lulopetistas sempre menosprezaram os prejuízos eleitorais decorrentes do mensalão. Dizem que, mesmo depois de descoberto o esquema, Lula conquistou duas vezes a Presidência da República e elegeu Dilma Rousseff sua sucessora. O mesmo discurso foi entoado pelos advogados dos mensaleiros. Dilma, aparentemente, é mais recatada. Todavia as ações concretas da presidente mostram que sua visão ética da vida pública é a mesma de Lula: pragmatismo absoluto, vale-tudo, ausência de qualquer vestígio de estadista.
Mas não é só a impunidade que conspira contra os valores democráticos. Um dos últimos capítulos da novela de desestabilização das instituições foi o espetáculo de vandalismo em Brasília patrocinado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que transformou a Praça dos Três Poderes num campo de batalha. Tudo começou com uma passeata de protesto contra o governo e a prisão dos mensaleiros. Mas não demorou para o MST mostrar sua verdadeira cara: 15 mil militantes marcharam até a sede do STF, tentaram invadir o Palácio do Planalto e atacaram policiais militares (PMs), num confronto que resultou em 42 feridos, entre PMs e manifestantes. A reação do governo indica o apreço das autoridades pelas instituições democráticas: os militantes foram recebidos pela presidente da República como se nada tivesse acontecido. Faz-se, de fato, o diabo para conquistar votos. O respeito à democracia é detalhe menor. Mas a coisa foi mais longe: Gilberto Carvalho, braço de Lula no Ministério de Dilma, afirmou que o governo continuará a financiar o MST. Resumo da ópera: recursos públicos - o seu dinheiro, amigo leitor - devem ser usados para financiar entidades que caminham na contramão dos valores democráticos.
A ação do MST não foi uma explosão irresponsável de vandalismo. Foi uma estratégia de desmoralização da democracia. E o que fez a presidente? Acariciou os baderneiros e abriu o caixa para financiar a bagunça. O comportamento de Dilma é muito parecido com o de Lula: corrige em público, mas afaga e patrocina em privado. Assim foi com os protagonistas do maior espetáculo de corrupção da História deste país. E assim será com seus bibelôs radicais. Todos, afinal, estão a serviço da consolidação do projeto autoritário de poder.
O que espanta, caro leitor, é a covardia e ausência de propostas de amplos setores da oposição. Como cães sem raça, ladram, mas não mordem. Transmitem a sensação de que há muito rabo preso nos bastidores da Ilha da Fantasia.
A sociedade está cansada de tanta inconsistência, de tanto jogo de faz de conta, de tanto cinismo. Quer mudança. Quer um projeto verdadeiramente transformador. Os protestos da cidadania não foram decodificados com profundidade. A opção consumista é página virada. O povo quer educação, saúde, transporte. A classe emergente vai mostrar sua cara e sua força.
As eleições estão aí. É preciso votar bem. Renovar, profundamente, o cenário nacional. Não devemos votar em candidatos sob suspeição, em políticos indiciados, em oportunistas ou covardes. Verdade, liberdade e cidadania podem fazer do Brasil um grande país. Só depende de cada um de nós.
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