CIRURGIA PARA PADRONIZAR VAGINAS
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CIRURGIA PARA PADRONIZAR VAGINAS


Que coincidência macabra. No mesmo dia que vi um gracioso vídeo pregando amor às vaginas (publico esta semana), assisti a um documentário chamado The Perfect Vagina, a vagina perfeita. Ele trata de uma tendência na Inglaterra e no mundo, a cirurgia cosmética vaginal, também conhecida como labioplastia. Houve um aumento de 300% na procura dessa operação nos últimos dois anos. Basicamente, ela consiste em reduzir os lábios da vagina, é feita com anestesia local, e custa umas 3 mil libras em média. A paciente fica acordada enquanto seus lábios genitais são cortados e removidos. Perceba que não estamos falando de algum problema de verdade (como, sei lá, uma vagina que impede a mulher de fazer sexo sem dor), mas de problemas inventados, estéticos. Por que diabos uma aberração dessas acontece?
Obviamente porque estamos saturadas de imagens de normalidade, do padrão. Quando a gente pensa em seios, pensa num só tipo, de tamanho médio, sem estrias, durinhos, jovens, sem distinção de formato entre um e outro, com mamilos também padrão. Mas existem seios de todos os tipos. E se os seus não batem com a imagem que você tem do que os seios deveriam ser, Houston, temos um problema. De repente você passa a ver seus seios naturais e saudáveis como uma anomalia. (E, se você quer combater esse pensamento único de que seios devem ser assim e assado, recomendo gastar tempo neste site. Mude sua imagem mental! Abra seus horizontes, saiba que a diversidade é gigantesca, e aceite-se).
Mas seios ficam lá em cima, bem expostos, na linha de frente. Agora, quanta gente verá a nossa vagina? E quantas vaginas além das nossas vemos na vida? Depende. Revistas e filmes pornôs fornecem uma enorme quantidade, mas como tudo que é comercializado, essas vaginas seguem um padrão. São photoshopadas à exaustão, maquiadas, reformadas através de cirurgia. São tão reais quanto eu me chamo Shirley. E, se não acreditamos que a modelo que posa para a capa da revista feminina acorda com aquele rosto e cabelo, por que vamos acreditar que aquela vagina seja real? (veja aqui fotos de vaginas de verdade). E não se pode achar que esta é só uma encucação nossa. Tá cheio de homem por aí traumatizado com o tamanho do pênis. Se aumentá-lo fosse possível com uma cirurgia, um monte de cara faria. Alguma dúvida?
Certo, mas desde quando nós mulheres caímos na ladainha da indústria pornô tanto quanto os homens, que crêem que qualquer bilau com menos de 20 cm só faz cosquinha? Certamente nunca houve tanta obsessão por pelos púbicos. Depilação integral virou norma pras mulheres, e isso é recente; simplesmente não existia na minha adolescência. Quem se depila apela para o lado higiênico (quando qualquer médico dirá que os pelos protegem a vagina de infecções, ou seja, higiênico é tê-los, não removê-los), mas há também a atração (que poucos/as admitem, por motivos óbvios) de que vagina totalmente depilada é a de uma menininha antes da puberdade. É essa também a ambição da cirurgia vaginal cosmética: reduzir os lábios para que a vagina se pareça com a de uma garotinha. Desculpe, gente, mas só tenho uma palavra pra isso: argh. Não quero controlar o pensamento ou censurar a fantasia de ninguém, mas sério? Fantasias sexuais com meninas pré-púberes? Mesmo? Eu posso passar o número de uma psicóloga.
Minha principal reclamação contra o documentário A Vagina Perfeita é que ele mostra algumas cenas gráficas demais de uma cirurgia (e eu fechei os olhos nessas partes, porque pretendo continuar tendo vida sexual, obrigada). Uma linda moça de 21 anos se submete a esse procedimento porque é zoada pela irmã e por alguns parceiros sexuais que teve. Embora a cirurgia não seja complicada, até que a vagina se recupere pode-se passar até três meses de dores e sangramentos.
A diretora do doc, uma jovem que acha que sua vagina não é mais a mesma depois de ter tido um filho, vai até um artista. Ele é um escultor que tira moldes de gesso de cada vagina de voluntárias, e depois coloca esses moldes todos (uns quarenta) num mural. O objetivo é que as pessoas vejam a diversidade existente, desmistificando a lenda da única vagina sagrada. Uma das entrevistadas no doc odeia sua vagina e sonha em fazer uma cirurgia ― até que ela vê um molde e percebe não ser nada anormal. E desiste da operação.
Ótimo. Mas é aquela coisa: se fazer uma operação vai tornar uma mulher mais segura e confiante e ela se sentirá melhor depois da dor excruciante por ter se submetido a um padrão idiota de normalidade, por que não fazê-la? Claro que a mesma desculpa pode ser usada para mutilação feminina de mulheres africanas. Não? Nem todas as meninas africanas são forçadas à mutilação. Muitas acreditam que o jeito delas se enquadrarem numa sociedade é extirpando o clitóris. Pelo jeito, nossa sociedade ocidental está caminhando pro mesmo caminho. Por exemplo, assim como a extirpação do clitóris não traz nada de bom para as mulheres muçulmanas, ainda há poucos estudos que analisem os efeitos da nossa ocidental labioplastia a longo prazo. Os lábios genitais são regiões com nervos, e se esses nervos são retirados, pode haver diminuição de sensibilidade e prazer numa zona que, bem, é propícia ao prazer. E imagine parir quando parte da sua anatomia foi removida. Uma cirurgia dessas praticamente força a mulher a realizar o parto através de cesárea (o que não é um problema pras brasileiras, campeãs de cesareanas no mundo). Se muitas africanas são mutiladas para serem aceitas, por aqui nossas meninas, já a partir dos 16 anos, reduzem as mamas para serem aceitas. Ou colocam silicone para serem aceitas. Ou mudam o formato do nariz para serem aceitas. Ou cortam suas vaginas para serem aceitas. Não vejo uma diferença assim tão gritante não. É o mesmo princípio: partimos da modificação de uma parte saudável de nós para nos enquadramos a um padrão imposto pela sociedade. E tudo com a doce ilusão de que dessa forma sim o mundo nos tratará com respeito e admiração.

Hoje é dia de blogagem coletiva do Action Aid. Acesse aqui, colabore com 15 reais por mês, e ajude a mudar a realidade de uma brasileira.




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