CLÁSSICOS: OS PÁSSAROS / 40 anos de asas ameaçadoras
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CLÁSSICOS: OS PÁSSAROS / 40 anos de asas ameaçadoras


Os Pássaros”, meu Hitchcock preferido, está completando quarenta anos de idade. Todo mundo tem, ou deveria ter, um filme entre os mais de cinqüenta que ele dirigiu de que gosta mais. Pra alguns é “Psicose”, pra outros é “Um Corpo que Cai”, ou “Janela Indiscreta”, ou “Intriga Internacional”. São tantas obras-primas que é difícil colocar uma só no pedestal. Pois, pra mim, este lugar está reservado para “Os Pássaros”. Não sei dizer objetivamente o porquê. Posso talvez medir pelo quociente de cenas clássicas. Por exemplo, recentemente revi “O Homem que Sabia Demais” e constatei que o quociente de cenas que se tornaram clássicas é zero. Por coincidência, este é um dos Hitchcocks mais fraquinhos. Agora, pense nos piu-pius. Lembrou dos corvos se acumulando no playground? Os passarinhos invadindo a casa pela lareira? O ataque ao posto de gasolina? Nossa heroína enclausurada numa cabine telefônica? São tantas emoções...
Este terror de 1963 jamais seria feito hoje. Por vários motivos: a primeira agressão dos pássaros (de um só, pra ser mais exata) só acontece bem depois do início. A segunda agressão, então, leva mais um tempão. Imagina, o público atual não tem paciência pra esperar que o suspense se amontoe. Sem falar que os vilões alados hostilizam criancinhas (pecado!). E cadê a explicação bem mastigadinha dizendo por que os pássaros atacam? Ué, e que pouca-vergonha é essa de não ter fim?! E, ousadia das ousadias: onde já se viu um filme de horror sem música?! Então, se mudassem tudo e adaptassem “Os Pássaros” pros dias de hoje, a gente veria o Schwarzza empunhando uma bandeira americana numa mão e uma metralhadora na outra. Penas voando pelos ares. O mundo salvo. Trilha sonora de redenção. Mas, por favor, cuidado com a picaretagem. Se você for à locadora, o atendente pode te perguntar se você quer “Os Pássaros” 1 ou 2. De fato, há uma seqüência tenebrosa de 94 feita pra TV. Ignore-a. E não acredite se o atendente jurar que ambas foram dirigidas pelo Hitchcock, já que o velhinho morreu em 1980. Só se for psicografada.

“Os Pássaros” se baseia num conto de Daphne du Maurier que também é instigante, embora não tenha nada a ver com o filme. O conto é mais rural; o herói é um fazendeiro. Fora isso, Daphne inventa que a fúria alada está acontecendo no resto do planeta, e arrisca um palpite: as marés altas mexem com os bicudos. Pro protagonista da história, segurança e conforto são representados por xícaras na cozinha. É muito legal o que Hitch faz com essas xícaras no filme (elas aparecem completamente bicadas). O diretor, que sempre contribuía nos roteiros, apesar de nunca assiná-los, não dava a mínima pra fidelidade à fonte. Ele lia o livro ou o conto uma vez e nunca mais. Mas digamos que o cerne do conto – o pavor pelo que está bem próximo da gente – encontra-se no filme. Afinal, fazer com que dinossauros soem assustadores parece fácil. Eles são grandões. Baratas são asquerosas, tubarões têm mandíbulas. Agora, como temer inocentes pardais e outras cabecinhas de minhoca?Não sei se o filme assusta os adolescentes de hoje, mais acostumados a uma violência de videogame. Acho que eles se preocupam demais com o realismo dos efeitos especiais. A galera vê “Os Pássaros” e pensa: “Eca! Que mal-feito! Isso não é real!”. Dããã, é óbvio que não é real. Passarinhos não agridem humanos. Desculpe revelar um incrível segredo, mas nada no cinema é real. Como diz o menininho em “Matrix”, não há colher, lembra? E tampouco há porta. Entre a tonelada de material interessante presente no documentário do DVD, a mais-mais é a que mostra que, bem no fim de “Os Pássaros”, quando Rod Taylor abre a porta, com ele e a Jessica Tandy (a velhinha de “Conduzindo Miss Daisy”) segurando uma sangrenta Tippi Hedren (mãe da Melanie Griffith), não há porta. O Rod faz um gesto com a mão como se abrisse uma porta, e a porta simplesmente inexiste. É impossível notar. Sabe como todo mundo que vê “Cães de Aluguel” acha que o bandido realmente corta a orelha do policial? É a ilusão do cinema.

Pra mim, a prova definitiva de que “Os Pássaros” funciona é que quem vê o filme não consegue nunca mais encarar nossos amigos de asas do mesmo jeito. Assim como a gente lembra do tubarão antes de nadar no mar ou de “Psicose” antes de tomar uma ducha, “Os Pássaros” entrou no nosso inconsciente coletivo – há quarenta anos. E foi bom, não foi?
Veja também: O Cineasta que Sabia Demais, sobre o centenário de nascimento de Hitchcock, e a homenagem da Vanity Fair ao diretor.




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