CLÁSSICOS DUVIDOSOS: Os primeiros filmes da saga Planeta dos Macacos
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CLÁSSICOS DUVIDOSOS: Os primeiros filmes da saga Planeta dos Macacos


Repressão policial humana contra macacos no quarto Planeta

Depois de ver esse ótimo filme que é Planeta dos Macacos: A Origem — que virou xodó dos defensores de animais, com razão — tive vontade de rever os outros. Ok, nada no mundo me faz ter vontade de rever o remake do Tim Burton, que é lamentável. Tô falando das versões velhinhas mesmo. Primeiro revi o filme de 1968 com o Charlton Heston (veja trailer). Acho, sinceramente, que o troço (baseado num romance do francês Pierre Boulle) tá longe de ser um clássico. É inclusive bem trash em vários momentos. Charlton faz um astronauta a bordo do Ícaro (convenhamos: um nome inadequado pra uma nave espacial) que acorda 2 mil anos depois num planeta estranho. Convenientemente, a única tripulante mulher da nave morre. E os três sobreviventes vão explorar o novo mundo. E eles ficam um tempão explorando, explorando, explorando (o filme demora pra começar)... Até que encontram humanos primitivos, com pouca roupa, que não falam nem parecem se comunicar. De cara, Charlton conhece a única humana jovem e dentro dos padrões de beleza. A coitada passa o resto do filme olhando babona pro herói, num dos papéis mais ingratos da história do cinema.
Para explicar por que Charlton passa metade da trama sendo tratado como qualquer outro humano pelos chimpanzés e gorilas, inventam que ele foi ferido na garganta. Mais tarde ele é ameaçado de castração, despido, examinado, enjaulado, espancado, e caçado com redes. Ele faz amizade com um casal de macacos cientistas que acha fantástico que, em outros tempos, o ser humano tenha sido tão evoluído quanto o Charlton, pelo menos quando ele ainda não tinha virado um reaça de carteirinha. Juntos eles fogem, vão até a zona proibida, descobrem uma boneca que fala (prova inequívoca que os humanos já falaram), e, na cena mais marcante do filme, que é também a última, Charlton percebe que aquele é o mesmo planeta Terra de onde saiu. Talvez não seja spoiler (porque tá na capa) dizer que sua descoberta acontece ao ver parte da estátua da liberdade enterrada na areia. O segundo longa da franquia, De Volta ao Planeta dos Macacos (1970), eu ainda não revi (veja trailer). Portanto, não lembro nadinha. Um outro astronauata vai procurar Charlton e encontra a mulher dele, aquela do papel ingrato. Imagino que agora ela fale. Mas não tem jeito: todas as mulheres das cavernas retratadas em filmes se parecem com a Raquel Welch.
O terceiro, Fuga do Planeta dos Macacos, de 1971, sempre foi meu preferido (veja trailer). Eu chorava cântaros no final, com todos aqueles assassinatos. Mas alguma coisa aconteceu. Ou o filme envelheceu mal, ou fui eu. Ele parece muito datado. Desta vez é o casal de macacos cientistas, com mais um, Dr. Milos, que viajam no tempo e chegam à Terra do ano 1973. O sábio Dr. Milos diz a seus colegas que talvez seja uma boa ideia não revelar aos humanos que ei, viemos do futuro, onde a sua espécie será totalmente dominada, escravizada e usada para testes científicos pela minha. No entanto, Dra. Zira é muito vaidosa intelectualmente para se fingir de inferior. Ela logo conta tudo, até que costumava dissecar humanos vivos. Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, essa podia ser a autobiografia da símia. Mesmo assim a gente gosta dela.
Minhas maiores queixas contra o filme são que Dr. Milos é descartado rápido demais (morto por um gorila no zoológico), e que Cornelius, o marido de Zira, se revolta meio sem motivo contra um enfermeiro humano. Ah, sabe quem faz Cornelius? Roddy McDowall, que a galera dos anos 80 pode se lembrar como o caçador de vampiros de A Hora do Espanto. Quem faz Zira é bem mais famosa. É Kim Hunter, vencedora do Oscar de coadjuvante por Um Bonde Chamado Desejo. É ela a Stellllaaaaa por qual berra um ultrasexy Marlon Brando com camisa rasgada (aqui, pra animar seu dia).
Há várias curiosidades em Fuga. A primeira é que o presidente dos EUA é um sujeito legal, que não aceita matar os macacos por algo que só vai acontecer daqui a dois mil anos, longe do seu mandato. Aliás, ninguém realmente quer matar o casal exceto um cientista, que acha que, eliminando esses chimpanzés falantes, reverterá o destino da espécie humana. A segunda curiosidade é que o dono de um circo — logo de um circo, instituição não exatamente conhecida por tratar bem os animais — seja um dos três únicos humanos que Zira aprova (os outros dois são cientistas bonzinhos). A terceira é que o filme é bem esperto em cortar o que deve ter sido uma cena tensa: como Zira convence a chimpanzé do circo a trocar os bebês macaquinhos? “Olha, Helô, eu, Zira, vou levar seu filho fingindo que ele é meu. Todo o exército americano estará nos perseguindo e talvez seu filho morra, enquanto meu pimpolho fica aqui na sua jaula toda protegida com você. Pode ser?”.
O quarto filme da série, A Conquista do Planeta dos Macacos (1972; veja trailer), deve ser o que começa melhor, com ângulos inusitados de câmera, tudo muito bem filmado. Agora César, o macaquinho filho de Zira e Cornelius, já tem dezoito anos. Ele, que foi criado pelo dono do circo (Ricardo Montalban, que todo mundo conhece por causa da Ilha da Fantasia, certo?), descobre a triste realidade: que macacos são terrivelmente maltratados por humanos. É este filme que mais ou menos foi refilmado pra gerar A Origem. Só que é totalmente diferente. A explicação dada pro início da evolução dos macacos não é uma poção mágica da ciência, apenas que um casal de chimps sofisticados viajou no tempo. Mas por que haveria tantos macacos e gorilas convivendo com humanos? Conquista cria uma história até plausível: houve uma doença misteriora que matou todos os cães e gatos. As pessoas insistem que querem bichos de estimação e começam a adotar macaquinhos para essa função. Mas os símios crescem e, quando os humanos percebem que os macacos são vinte vezes vezes mais inteligentes que cães e gatos (que o Calvin não me leia), decidem escravizá-los. E dá-lhe macaco para fazer todos os serviços que humanos não gostam de fazer, como limpar a casa, cozinhar e servir comida. Soa familiar? Conquista deixa claro que está falando da condição dos negros, escravizados pelos brancos. César, ao explicar a seu “dono” (porque ele o comprou), um funcionário negro do governo, que está treinando macacos pra se rebelarem, insiste: “Você, de todas as pessoas, deveria apoiar a nossa luta”. E o humano negro apoia.
O filme vai muito bem até dar lugar a muitas cenas de luta, uma mais fraca e confusa que a outra. Um terço da duração deve ser isso — péssimas batalhas entre a polícia humana e os chimpanzés e gorilas. Se ficasse na parte filosófica sobre escravidão, poderia ser uma história fascinante.
O quinto e último da série, Batalha do Planeta dos Macacos (1973; veja trailer), é disparado o pior de todos. É tão ruim que até a maquiagem dos macacos, bastante convincente nos filmes anteriores, aqui parece feita por amadores. Eles nem mexem a boca direito. A trama acontece doze anos depois de Conquista. César é o líder absoluto da aldeia onde vive, depois de uma guerra nuclear (que não vemos) que devasta o planeta. Humanos também vivem nessa aldeia, em situação de inferioridade. E gorilas já começam a se achar os donos do pedaço. No final tudo acaba mais ou menos bem, e a gente fica sem entender o que vai acontecer para que Charlton chegue a uma Terra em que macacos rule, e humanos mudos obedecem.
Vamos ver como os novos filmes da série, agora totalmente recauchutada por A Origem, vão contar a história. Tem tudo para gerar roteiros instigantes e nos fazer refletir sobre a nossa posição de donos do universo — e de como tratamos mal todos os outros animais. A começar por nós mesmos.




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