Geral
Coimbra desencantada (3)
1. "Cidade do conhecimento"
Embora com indesculpável atraso registo aqui o desafio de João Mãos de Tesoura no seu "Exacto". Entre muitos reparos e propostas sobre Coimbra, escreve ele por exemplo:
« (...) Há vinte anos Coimbra dispunha de uma vantagem competitiva face ao resto do País. Tinha em relação ao ensino aquilo que na gestão se designa por elevada "Brand Equity". Bastava a invocação do nome e ficava no ar a deferência que se deve ao Saber. Era esta a força da sua Marca. (...) Em suma, Coimbra podia e devia ter-se diferenciado como arauto de ensino. A concorrência é hoje fortíssima; Lisboa, Porto, Aveiro e Braga são já referências incontornáveis na oferta de educação. Por falta de tradição de empreendimento, Coimbra não se alicerçou no ensino privado que se sabe ser hoje, quer se goste ou não, o bastião da melhor oferta nos países que perceberam que o conhecimento também se pode exportar. Esta é a excelência que potencia a criação de serviços de alto valor acrescentado, alicerçados no conhecimento e dificilmente replicáveis.»
Vale a pena ler o resto na origem.
Também penso que a principal vocação de Coimbra está naquilo em que tem tradição e marca de prestígio, ou seja, no ensino, no conhecimento e no saber, bem como nas actividades a eles directamente ligadas (saúde, tecnologias sofisticadas, etc.). Infelizmente por falta de visão estratégica, Coimbra não aproveitou nos últimos 20 anos, como lhe competia, todas as suas potencialidades neste domínio, enquanto uma política centralista concentrou crescentemente o ensino superior em Lisboa (nada menos do que quatro universidades públicas). Entre outras coisas faltou-lhe uma liderança activa tanto à frente do município como da universidade, a que se somou a falta de poder económico e a distância do poder de Lisboa. Mesmo assim, a cidade continua a ser o maior centro urbano fora das áreas metropolitanas, bem como um importante centro administrativo. E a UC continua a não temer o confronto com qualquer outra universidade nacional em muitas áreas, incluindo quanto ao prestígio internacional. Há dimensões que não se medem pela quantidade.
2. A "Escola de Coimbra"
No "Público" Paulo C. Rangel publicou um sentido texto sobre a recente atribuição do prémio Pessoa ao Professor Gomes Canotilho, da Universidade de Coimbra. A sua homenagem ao laureado é estendida à sua Faculdade. Permita-se-me a transcrição de uma passagem:
«Premiar Canotilho é também e ainda premiar a escola a que pertence, a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Digo-o com pleno à vontade, já que nenhum laço me liga àquela faculdade e penso até que nela são especialmente notórios alguns dos vícios típicos das nossas universidades públicas. Mas não sobejam dúvidas de que, por obra de um ambiente e de uma cultura de escola irrepetíveis, ela constitui um alfobre de intelectuais e humanistas de primeira grandeza - ainda que desconhecidos do público e ignorados, frequentes vezes, pelo circuito cultural "oficial".
(...) Pela forma como domina as leis da sua arte, pelo modo como reescreve os paradigmas e teorias da sua ciência, pelo estilo com que declina os segredos do português e de tantas outras línguas, pelo jeito com que guarda os tesouros de um inabarcável espólio bibliográfico e pelo olhar com que fita os recantos de uma sólida cultura (que corre e percorre dos gregos à pós-modernidade), facilmente se descobre em Gomes Canotilho o carisma próprio dos eleitos - necessariamente poucos e raros - da escola de Coimbra.»
3. Saramago "honoris causa"
Sob proposta da Faculdade de Letras local, José Saramago deverá ser em breve distinguido com o doutoramento "honoris causa" pela Universidade de Coimbra. Apesar de já ter sido distinguido por várias outras universidades de prestígio, não é tarde para que a UC premeie com o mais elevado galardão académico o grande escritor do "Memorial do Convento". Como seu amigo e admirador regozijo-me com a iniciativa. Além do mais a sua entrada no claustro do velho palácio real da alcáçova coimbrã poderá ser também uma excelente oportunidade para a sua reconciliação com cidade que não foi capaz de o encantar outrora numa fria etapa da sua "Viagem a Portugal"...
Vital Moreira
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