CONTRA O ABORTO, A FAVOR DA SUA LEGALIZAÇÃO
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CONTRA O ABORTO, A FAVOR DA SUA LEGALIZAÇÃO


Vi em DVD o forte documentário Lago de Fogo (Lake of Fire), cujo título refere-se ao que acontece com os que vão pro inferno. Talvez o filme definitivo sobre aborto nos EUA, Lake, do polêmico diretor Tony Kaye (do excelente Uma Outra História Americana), tenta e consegue apresentar todos os pontos de vista, que na realidade são apenas dois. De um lado, temos a direita cristã, que é pro-life, pró-vida, radicalmente contra aborto (e contra homossexualismo, e eutanásia, e testes com embriões), apesar de ser a favor da pena de morte. Do outro lado há o movimento pro-choice, pró-escolha - os seculares, feministas, filósofos, gente que prega a separação entre Igreja e Estado, e defende que as mulheres sejam as donas de seus corpos. Se você passou mais de dois minutos no meu blog sabe perfeitamente em que lado me situo.

Mas foi muito difícil e doloroso assistir ao documentário, que é explicitamente gráfico (embora seja em preto e branco). As clínicas que fazem abortos nos EUA precisam separar e medir, no fim do procedimento, cada pezinho e mãozinha que foi mutilada. É terrível. Mas também é terrível condenar as mulheres, pensar que elas recorrem a abortos como método anticoncepcional, como se não tivessem uma consciência moral, como se não sentissem culpa. No final do filme, a câmera acompanha uma moça de 28 anos e mostra todo o seu aborto, da entrevista inicial à consulta ao procedimento aos restos mortais que ficam numa tijela. E, quando tudo acaba, o documentário entrevista a moça, que se faz de forte o quanto pode, diz que está emocional e fisicamente devastada, mas aliviada, que agora vai pra casa recomeçar sua vida – até que ela desaba. Passa a chorar desesperadamente, e nesse momento eu desabei também. E chorei muito. Chorei pelas mãozinhas abortadas, mas também, e principalmente, pela mulher e por sua dor.

Se eu engravidasse, na maior parte dos casos não abortaria. Se a gravidez pusesse em risco a minha vida, sim, abortaria. Se fosse produto de um estupro, possivelmente sim. Se o feto tivesse anencefalia, lógico – é uma violência indescritível exigir que uma mãe mantenha uma gravidez pra, depois de nove meses, o bebê nascer sem cérebro e morrer minutos após o parto. Ou seja, pessoalmente, sou contra o aborto. Mas essa é a minha posição, e querer impor meus valores a todas as outras mulheres não me parece justo. Dá pra ser contra o aborto e a favor da legalização do aborto. Mal comparando, eu pessoalmente sou contra a prostituição. Não seria prostituta, e não vejo com bons olhos homens que procuram prostitutas. Mas a prostituição seguirá existindo, seja lá qual for a minha opinião. E prefiro mil vezes que ela seja legalizada e que prostitutas sejam protegidas por leis, ao invés de serem consideradas marginais, sujeitas à coerção da polícia.

O que acontece é que existe uma guerra santa nos EUA. Não ajuda que, entre as nações desenvolvidas, a América seja a mais religiosa. Essa religiosidade afeta diretamente o cotidiano das pessoas e dita as leis. É curioso que, em termos econômicos, a direita cristã pregue um Estado mínimo. Não quer pagar impostos, não quer que o governo se meta em como deve gastar ou guardar dinheiro. Porém, em termos morais, essa mesma gente defende um Estado máximo. Não quer que Darwin e evolução sejam ensinados em escolas. É contra a educação sexual. Quer censurar filmes e livros. Acha que que ateus e agnósticos não deveriam poder ser professores, governantes ou ter qualquer cargo público (porque liberdade religiosa tem limites, ora!). Insiste que a Bíblia substitua a constituição. E quer promover guerra aos infiéis. Lá fora, esses são os muçulmanos. Dentro dos EUA, os inimigos são as pessoas que acreditam que Igreja e Estado não devem se misturar. Se depender da direita cristã, a América vira um novo Irã - versão cristã, claro. E aí quero ver alguém fazer inspeção nuclear no país mais poderoso do planeta.

É difícil se dar conta de como americano é conservador. Por exemplo, estava lendo um site sobre finanças pessoais em que o autor, uma vez por semana, responde perguntas dos leitores. E às vezes as perguntas ficam mais pessoais. Uma delas perguntava o que ele achava de um casal viver junto antes de casar. Ele, cheio de dedos, disse que não tinha nada contra, mas deixando claro estar se referindo à coabitação pura e simples, sem querer emitir opinião sobre esse assunto cabuloso de fazer sexo antes do sagrado matrimônio. Sim, claro, porque um casal vai viver junto e não fazer sexo antes de ter um pedaço de papel na gaveta. E a discussão entre os leitores rendeu. A maior parte dizia ser um erro grotesco viver junto sem casar. Eu não consigo imaginar muitos outros países ditos civilizados em que esse tema siga sendo polêmico. Mas aí lembrei que nos EUA os casais que dividem o mesmo teto sem casar nunca se chamam de marido e mulher. Podem viver trinta anos juntos que continuarão sendo “boyfriend” e “girlfriend”.

Mas o que isso tem a ver com a discussão sobre o aborto? Tudo. É só pensar em como os países mais desenvolvidos conseguem passar leis importantes para toda a população, independente das posições religiosas. Os EUA não estão entre esses países desenvovidos. E, óbvio, nem o Brasil, onde o poder da Igreja Católica segue emperrando um projeto de legalização do aborto que já se arrasta há quinze anos.

Mais sobre o documentário e a legalização do aborto aqui.





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