Crianças transtornadas ou mimadas? - CONTARDO CALLIGARIS
Geral

Crianças transtornadas ou mimadas? - CONTARDO CALLIGARIS


FOLHA DE SP - 16/01

Procurar as razões do déficit de atenção leva tempo, mas prescrever uma pílula leva um minuto


Nas áreas urbanas do mundo ocidental, entre 8 e 10% das crianças do primeiro ciclo são diagnosticadas com TDA/H (Transtorno do Déficit de Atenção --com ou sem Hiperatividade). O que significa, grosso modo, que elas não conseguem focar, são constantemente distraídas e, quando hiperativas, não param de se movimentar.

Sabe aquelas crianças que, na hora de ler ou estudar, são atormentadas por coceiras irresistíveis, rolam de um lado para o outro da cama, batucam, acham que a camiseta está apertada ou que é urgente abrir a janela (ou fechá-la)? Pois é, essas mesmo.

Elas atrapalham a classe inteira, exasperando pais e professores. E, de fato, o transtorno é, antes de mais nada, uma queixa dos adultos, os quais, às vezes, pedem que médicos, psicólogos e pedagogos façam "alguma coisa" --pelo amor de Deus.

Mas não só os adultos pagam a conta: as crianças com déficit de atenção e hiperativas não aprendem a metade do que aprenderiam se ficassem sentadas e focadas. Várias experiências mostram que só é possível combinar pensamento (ou aprendizado) com agitação física à condição de ser um pensador (ou um aluno) medíocre.

Alguns dizem que tudo isso acontece porque não sabemos mais disciplinar nossas crianças. Não queremos correr o risco de contrariá-las e de perder seu amor e, com isso, somos absurdamente permissivos; logo, insatisfeitos com nossa própria permissividade, tentamos corrigi-la com erupções de severidade descabida. Essa alternância piora a tensão e a agitação física e mental das crianças.

Enfim, diante do TDA/H, três estratégias possíveis:

1) sugerir mudanças no comportamento das crianças e dos adultos ao redor delas (há pequenos gestos que fazem uma diferença: organizar o trabalho escolar, acalmar e ordenar o ambiente familiar, desligar a TV durante as refeições...);

2) entender os conflitos internos que talvez se expressem na falta de atenção e na hiperatividade da criança e tentar intervir;

3) medicar (descobriu-se que os melhores remédios não eram calmantes, mas estimulantes como Ritalina ou Dexedrina).

No começo dos anos 1990, nos EUA, uma grande (e apressada) pesquisa chegou à conclusão de que medicar era o caminho mais eficiente --certamente, era o mais barato.

Hoje, vários autores daquela pesquisa duvidam de suas próprias conclusões. Lamentam, por exemplo, que a gente, apostando nos remédios, tenha deixado de se ocupar do resto, que talvez fosse mais importante a longo prazo ("New York Times" de 30/12/2013).

Mas o artigo do "NYT" não é uma novidade: numa matéria da "Der Spiegel" em 2012 (http://migre.me/hqR7i), Leon Eisenberg, um papa da psiquiatria norte-americana, encorajava os psiquiatras a voltar a se interessar pelas "razões psicossociais" que levariam a um "problema de comportamento", como o TDA/H. Infelizmente, ele comentava, o interesse por essas questões leva tempo, enquanto prescrever uma pílula é coisa de um minuto.

Nota aparte: para muitas crianças diagnosticadas com TDA/H, a falta de atenção depende da atividade na qual elas se engajam. Quase nunca falta a concentração exigida por um videogame, como não faltam a atenção esperada do goleiro ao longo de uma partida ou a paciência do surfista que aguarda uma onda, no fundo. Ou seja, o déficit de atenção não é uma inaptidão cerebral.

Mas a pesquisa dos anos 1990, abençoando o uso sistemático da medicação, atrasou o trabalho de todos, terapeutas comportamentais, psicanalistas etc.

Um artigo de 2007 (http://migre.me/hqROf) retoma uma tese antiga, que insiste desde os anos 1990, e que fala mais dos efeitos do TDA/H do que de sua origem: o TDA/H lutaria contra o sentimento de rejeição pelos pares, porque pensar é uma atividade solitária (com riscos de discórdia), enquanto é rápido e fácil se enturmar ao redor de ações e movimentações físicas.

Enfim, resta um círculo vicioso clássico. Tal criança morre de tédio assim que abre um livro ou entra num museu; agora, sem cultura para enriquecer a experiência, é a vida dela inteira que se tornará mortalmente chata --inclusive a agitação que deveria garantir a distração.

Aviso: vou tirar umas férias --jeito de falar: vai ser para focar melhor, não para me distrair (sempre acho bizarro querer se distrair - de quê?). A coluna volta no dia 6 de fevereiro. Bom começo de ano a todos.




- Tática De Guerrilha (para Homens Distraídos) - FabrÍcio Carpinejar
ZERO HORA - 29/12 O que uma mulher mais reclama do homem é sua distração: esquece de observá-la, não valoriza os detalhes, não identifica surpresas e passa reto em datas importantes e comemorações amorosas. Com objetivo de salvar casamentos e...

- Para (ou Contra) O Dia Das Crianças - Contardo Calligaris
FOLHA DE SP - 10/10 Quando crianças pequenas são reconhecidas como transgênero, para os pais, qual é a escolha certa? Na semana retrasada, em Buenos Aires, uma criança de seis anos foi autorizada a mudar de nome e de gênero no registro de identidade...

- 10 RazÕes Pelas Quais Aparelhos MÓveis Devem Ser Proibidos Para CrianÇas
A Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Canadense de Pediatria afirmam que crianças de 0 a 2 anos não devem ter nenhuma exposição à tecnologia, crianças de 3 a 5 anos devem ser limitadas à uma hora de exposição por dia e crianças...

- Pais Não Sabem O Que Os Filhos Fazem Online, Diz Estudo
Por Vanessa Daraya, de INFO Online  São Paulo - Os jovens passam mais tempo online do que seus pais imaginam, afirma uma pesquisa feita pela McAfee nos Estados Unidos. Os especialistas investigaram a percepção dos adultos em relação às...

- Epidemia De Amor Pelas Crianças
Contardo Calligaris, Folha de SP 1) É habitual que, na infância e na adolescência, um jovem sonhe com vitórias e aplausos, sem pensar nos esforços necessários para merecê-los.Nestes dias, deparo-me com crianças ninadas por devaneios de glória...



Geral








.