Eu tava entre duas comédias pra escolher: “A Casa Caiu” e “Tratamento de Choque”. Optei pela primeira ao descobrir que “Tratamento” é dirigida pelo cara que cometeu “O Professor Aloprado 2”, que eu vi numa viagem de ônibus e que, mais uma vez, redefiniu meus padrões de ruindade. Quero dizer, acho que é nesse filme que um hamster gigante dispara cocô contra seus inimigos. Tudo bem, sei que ver cenas edificantes como essa nos tornam seres humanos melhores, mas eu não me sentia pronta pra repetir a dose. Então lá fui eu ver “A Casa”, que é outro excremento de roedor. O que é isso, uma competição? O pessoal riquinho lá de cima não consegue mais fazer uma comédia sem ofender a inteligência do público? O maridão saiu da sessão balançando a cabeça, mas eu o interceptei com um “Quequié? Eu vi você rindo!”. E ele: “Eu tava pensando: o que estou fazendo aqui? E aí eu ria, mas não do filme”. O resto da platéia também foi bastante silencioso.
“Um Dia a Casa Cai” já começa muito, muito mal, com uma troca de emails estúpidos. Acho que até os emails de “Mensagem para Você” eram mais divertidos. Quando o Steve Martin passa momentos intermináveis frente ao espelho repartindo o cabelo, sem provocar nem cócegas, eu notei que o filme seria um caso perdido. Porém, se “Casa” fosse apenas mais uma comédia sem graça, como tantas por aí, ainda dava pra perdoar. Mas o filme é racista que só ele! O Steve faz um advogado divorciado prestes a conhecer uma loira anêmica pela internet. Aí aparece a Queen Latifah que, se você viu em “Chicago”, você sabe que não é nem loira nem magra. O Steve fica tão horrorizado com a negra gordinha que a trata mal de cara, bem antes de descobrir que ela é uma presidiária querendo limpar seu nome. Tudo que ele tem que fazer para tirá-la de sua vida é chamar a polícia, mas aí o filme acabaria no ato, o que é um exemplo típico de como a polícia pode trazer benefícios à humanidade. Bom, você já viu esse filme antes, talvez sem o contexto inter-racial: a mulher doidona ensinará valiosas lições ao caretão e, no final, ambos se apaixonam, certo? Errado! Como a miscigenação é proibida no cinemão americano, Steve e Queen serão no máximo bons amigos. Queen ajudará o filho de Steve a aprender a ler, livrará a filha de Steve das más influências, ensinará Steve a dançar e, acima de tudo, a reconquistar a ex-mulher que, não por acaso, é loira. É verdade, eu tô contando o happy end, mas é um final que dá pra deduzir após os primeiros quinze minutos. Aliás, no trailer já dá pra notar que o venerável público segregacionista não vai ter com o que se escandalizar. Beijo, em “Casa”, só entre o casal branco unido pelo sagrado matrimônio. No fundo, Queen também vai terminar com um branco, o melhor amigo de Steve, mas não sem antes tentar “negralizá-lo” com trancinhas rastafari. E o beijo do casal miscigenado, se é que acontece, só ocorre a portas fechadas. Ninguém vê. Pra piorar, este personagem interpretado pelo Eugene Levy, o pai bobalhão de “American Pie”, é pintado como tarado desde o início. Argh, o cara gosta de gordinhas?! E ainda por cima de gordinhas negras?! Só pode ser tarado. A própria Queen passa o filme todo chamando-o de “freak”, que é pra gente não ter dúvida do seu comportamento anormal.
O mais impressionante é que li em algum lugar que a Queen pegou o roteiro e tirou dele tudo que considerava racista. Fico só pensando em como era o roteiro original: alguém da Ku Klux Klan salvava o planeta? Ué, “Casa” é um filme feito pro público branco poder rir dos hábitos bizarros dos negros. Inclusive, o principal vilão da história é negro. O Steve quase perde o emprego por se envolver (não sexualmente, claro) com uma negra. A Queen só é aceita como serviçal. Todos os coadjuvantes racistas seguem sendo racistas. Precisa mais ou já deu pra perceber que, em comparação, “Nascimento de uma Nação” até que era inofensivo?
Fora o preconceito explícito, a direção pesada e o péssimo timing, “Casa” ainda é machista. Há uma longa e acintosa cena em que Queen e uma loira brigam num banheiro. Pra quê? Aparentemente, pra que uma possa enfiar a cabeça da outra numa privada e xingá-la de vadia. Pelo jeito, essa parece ser a fantasia masculina recorrente da vez. Se um homem fizesse isso podia pegar mal. Então colocam uma mulher pra ofender outra, uma negra pra fingir que o filme não é ofensivo aos negros. Eu, hein? Cocô de hamster em quem faz essas joças!